Museu de Macau prepara lista de património intangível
É o “novo trabalho” do Museu de Macau (MM). A instituição está a preparar uma lista do património intangível da região. As tradições macaenses e os bonecos de farinha já estão incluídos nesta classificação. O projecto final será conhecido dentro de dois meses, altura em que será enviado para apreciação do Governo Central sob a forma de uma candidatura para património intangível nacional da China.
De acordo com Chan Ieng Hin, director do Museu, neste momento estão a decorrer dois projectos de recolha de manifestações culturais que necessitam de ser protegidas. Esta operação conjunta com entidades de Cantão e Hong Kong debruça-se sobre o A Nam-Yam, a música popular do sul da China, e a Cerimónia do Chá.
“No entanto, há um trabalho que é totalmente de Macau. Diz respeito às pequenas estatuetas tradicionais de deuses taoistas e budistas feitas com farinha. Há 15 anos, havia muitas lojas que produziam estes objectos no território, mas hoje só restam duas”, alertou Chan.
O próximo passo é incluir a cultura macaense nesta lista. Actualmente, estão a ser feitos contactos com as associações e representantes da comunidade para iniciar o projecto. “Há o patuá e a gastronomia que são muito importantes para a cultura local”, afirmou o director.
A preparação desta lista de património intangível é uma das tarefas que o Museu está a levar a cabo, na altura em que assinala uma década de existência. O MM completa amanhã 10 anos. Ao longo deste período, conseguiu ganhar um espaço próprio, marcando a diferença e conquistando o carinho das gentes locais, assegura Chan Ieng Hin.
Em entrevista ao Tai Chung Pou, o responsável sustentou a necessidade de fazer do espaço “um museu académico”. “É esta a nossa missão. Nos outros museus, o objectivo é manter os objectos expostos limpos e conservados. Nós não. O nosso trabalho é mais específico - investigar para dar mais à história de Macau.”
Para cumprir esta meta, o director do espaço pretende reforçar a investigação cultural sobre a história local, promovendo a qualidade dos seus serviços através de exposições, da educação e da divulgação, bem como o desenvolvimento dos trabalhos de classificação. Em termos práticos, o museu vai dar mais ênfase à promoção de mostras temporárias, sobre personalidades e património local.
“A nossa exposição permanente já evidencia a história de Macau. Agora temos que nos focar na investigação e criar mais. Temas e artistas não faltam, por isso temos que promover mais exposições temporárias para suprimir as necessidades da população”, defendeu.
A organização de mais mostras deste género tem também outro propósito: atrair mais público. “Quanto mais exposições temporárias organizarmos, mais visitantes teremos. Acho que é isto que tem proporcionado um aumento de público nos últimos dois anos. As exposições temporárias são muito importantes”, sustentou.
Desde a inauguração, o MM já recebeu mais de dois milhões de visitantes, incluindo dirigentes nacionais, importantes representantes de Governos de vários países, turistas e residentes locais. Só nos últimos dois anos, o museu tem registado um aumento anual médio de 200 mil pessoas.
Um crescimento que não satisfaz plenamente o director do espaço. “Não é um aumento muito grande. Em 2006, houve uma subida de cerca de 200 mil e, no ano passado, de 211 mil”, apontou.
São valores que não chegam aos calcanhares dos recordes constantes do Turismo mas, mesmo assim, Chan Ieng Hin não tem dúvidas de que os aumentos deste sector reflectem-se no número de visitantes do MM. “Quem quer conhecer a história de Macau tem que vir ao Museu. Um turista que não nos visitar nunca vai perceber porque é que esta região é tão especial.”
A par da história da região, o espaço cultural foi pensado ao mais ínfimo pormenor. O objectivo era criar um espaço que marcasse a diferença. O que faz de Macau um território único. O coordenador-geral do projecto, o arquitecto Carlos Bonina Moreno, rodeou-se de pessoas conhecedoras de Macau e foram elas que criaram o guião para o museu. A sociedade local também foi envolvida, através de doações.
O resultado foi a imagem de uma Macau em que o Oriente e Ocidente se vão cruzando. Algo que encontramos assim que se entra no espaço. De um lado, temos o percurso histórico português, com todas as características religiosas e culturais e, na parede oposta, temos exactamente a mesma interpretação, mas da China.
Uma década após a abertura do museu, a missão inicial do espaço foi cumprida com sucesso, diz Chan Ieng Hin. “Este museu é diferente dos demais. Foi criado pelas pessoas de Macau, porque 90 por cento das exposições são de habitantes locais. Por isso, penso que os residentes do território revêem-se profundamente neste espaço. Pertence-lhes verdadeiramente.”
O director que conhecia o museu antes dele abrir
Nasceu na Indonésia, cresceu em Cantão e estudou em Hunan, mas Macau é a sua terra. Fala português, mas não se sente confortável com a língua. É designer artístico, mas descobriu uma paixão pela museologia. Chan Ieng Hin é director do Museu de Macau (MM) há seis meses, mas explica que já lá estava antes deste espaço ser inaugurado.
“Fiz parte da equipa que ajudou o arquitecto Carlos Bonina Moreno a criar o guião do museu. Por isso, antes dele abrir, já estava cá dentro”, contou, com um sorriso de orgulho.
A simpatia e a serenidade são duas características dominantes do carácter de Chan Ieng Hin. Com um sorriso tímido conta que tem “mais de 50 anos” e que nasceu na Indonésia, em Sumatra. “Os meus pais são chineses, mas tenho raízes indonésias”, explicou. “Depois vivi em Cantão e vim para Macau com 24 anos. Por isso, já sou mais de Macau do que de lá”, frisou.
Na província de Hunan, fez a licenciatura em design de artes. No território, completou os estudos no grau de mestrado em Gestão e Administração. Reservado, não mostra muita vontade em falar de si, dos seus gostos, hobbies e do interesse pela arte. Só diz que o MM representa mais do que um emprego, é uma paixão.
Chan Ieng Hin ocupa a cadeira de director desde Outubro do ano passado. No entanto, desempenhou durante um ano a função de director substituto. Antes de se mudar para o espaço na Fortaleza do Monte, trabalhou como curador na galeria de exposições do Tap Seac, nos Serviços de Turismo e no departamento cultural da TDM.
O actual director do MM também domina a língua de Camões. Contudo, perdeu o hábito de falar. “Aprendi durante quatro anos e meio no Instituto Português do Oriente, mas agora já não consigo”. A frase saiu num português perfeito. De volta à língua inglesa, Chan Ieng Hin explicou que queria conhecer melhor a cultura portuguesa. Uma cultura que é uma metade fundamental do museu que conhece desde a nascença.
Alexandra Lages
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn
Seminário sobre Mao Zedong, Ho Chi Minh e a Guerra Fria na Ásia
Em busca de uma “correcção da visão ocidental”
A união entre Mao Zedong e Ho Chi Minh nada mais era do que “propaganda” da época, havendo, na realidade, uma “relação de cooperação com fricção”. Procurando explicar documentos chineses e vietnamitas recentemente tornados públicos, o professor de História, Qiang Zhai, da Auburn University Montgomery, nos Estados Unidos, dissertou na Universidade de Macau sobre os contornos políticos que colocaram a Guerra Fria – fase de gelo político que opôs EUA e União Soviética – em pleno Sudeste Asiático. E procurou, acima de tudo, corrigir “a tradicional visão ocidental que se encontra nos manuais”, fazendo emergir uma “nova visão da Guerra Fria”.
Como foi que Mao Zedong e Ho Chi Minh reagiram à introdução da Guerra Fria na Ásia? Até que ponto houve apoio dos chineses comunistas às forças de Ho Chi Minh na primeira guerra da Indochina? Como é que a aproximação sino-americana afectou a unidade sino-vietnamita no princípio dos anos 1970? Perguntas que o académico Qiang Zhai se propôs a responder, de forma a “corrigir a tradicional abordagem americana e eurocêntrica”.
Para enquadrar historicamente, há que recordar o final da Segunda Guerra Mundial. “O Japão rendeu-se. Ho Chi Minh acabou por entrar em Hanói fundando a República Democrática do Vietname”, conta. Na sequência do fim do conflito mundial, os franceses viriam então a regressar ao Vietname. Entretanto, em 1949, na China, Mao Zedong funda a República Popular da China, derrotando o líder do Kuomitang, Chang Kai Chek.
Os EUA, nesta altura, sob a liderança de Franklin D. Roosevelt, opunham-se aos interesses coloniais franceses no Vietname. Com a sua morte, Harry Truman viria a suceder-lhe. Num ambiente já dominado pela Guerra Fria, “o combate ao comunismo tornou-se a prioridade”. “Os líderes de Washington continuavam a apoiar a França, tendo ignorado o apelo de Ho Chi Minh à cooperação norte-americana”, recorda. Deteriorou-se assim a relação entre os dois países. Entre 1946 e 49, enquanto o Partido Comunista Chinês continuava a braços com a sua própria guerra civil, Ho Chi Minh “estava por sua conta”. Só com a criação da República Popular da China é que a situação se alterou.
Com a cimeira que se realizou na União Soviética, e que reuniu Estaline, Ho Chi Minh e Mao Zedong, em 1950, ficou definido que “Mao iria ter um papel activo na revolução no Sudeste Asiático”, dada a “proximidade geográfica da China e do Vietname”.
A China viria a ser o primeiro país a reconhecer a República Democrática do Vietname, tendo exigido à União Soviética e ao Leste Europeu “o mesmo”. Foi então que começou o verdadeiro auxílio da China a Ho Chi Minh. “Mao enviou conselheiros especiais militares para os ajudar a reorganizarem-se, transmitiram-se informações sobre a política de reforma agrária, procurou criar-se a consciência de classes nas aldeias”, conta. E, se antes o partido liderado por Ho Chi Minh se denominava Partido Comunista da Indochina, nesta altura passou a chamar-se Partido dos Trabalhadores do Vietname. Os chineses “montaram, inclusivamente, hospitais junto à fronteira”. No entanto, foi uma época de “fricção social”: “Os soldados começaram a ficar confusos quando viram os pais a serem acusados e perseguidos por serem proprietários de terras.” Ho Chi Minh procurou “terminar com a reforma agrária”.
Por esta altura, os franceses queriam “criar uma separação do Vietname em dois: o Norte seria comunista e o Sul não comunista”. Em 1954, com a conferência de Genebra, em causa esteve principalmente a divisão do país em dois. Os chineses, ainda bem conscientes do “pesadelo que tinha sido a guerra da Coreia”, e com “medo de uma intervenção norte-americana no Vietname”, dada a questão da divisão, pressionaram o Vietname a “negociar com os EUA”. Por isso, da conferência resultou o fim da primeira guerra da Indochina e a imposição de que, daí a dois anos, iriam ter lugar eleições nacionais. Foi então que os norte-americanos entraram no país, apoiando os líderes do Vietname do Sul. Contudo, os dirigentes de então estavam longe de reunir consenso, causando, nomeadamente, algumas reacções, mais tarde, por parte da comunidade budista. Estava-se já na Guerra do Vietname, que opôs os comunistas da República Democrática do Vietname e os EUA. Foi também o “fim da amizade entre a China e o Vietname”, que discordaram a “propósito da fronteira democrática, e a propósito da postura face ao Cambodja”. “Uma relação de cooperação, mas sempre pautada por fricção e disputa”, explica o professor.
Esclarecimentos do académico que procurou, assim, mostrar uma visão diferente do que se passou nesta época. E, esclarece, ao invés do que tem vindo a ser “publicado nos manuais de história pós 1945, não se trata de um conflito que opôs o Ocidente ao Oriente, mas sim o Norte – desenvolvido e industrializado – e o Sul – em desenvolvimento”. Na opinião do académico, o Ocidente “estava sempre focado no Oriente e não se apercebia do resto”. Mas, actualmente, já “se vê uma série de novos intelectuais dos EUA que falam em choque de civilizações”. O que, mesmo assim, “não deixa de ser uma espécie de visão de pouco alcance dos académicos do Ocidente, que ignoram a questão do Norte e Sul”. Por exemplo, referindo-se estes professores a Mao Zedong como “instigador da luta de classes”, estão a “adoptar uma terminologia típica do Ocidente, mas precisam de olhar mais atentamente para os discursos” do antigo líder comunista.
É por isso que Qiang Zhai fala numa “nova Guerra Fria”. Algo que nada mais é do que uma diferente postura académica que tem incitado ao debate sobre as suas origens e o seu fim.
Luciana Leitão
Viagem exclusiva à RAEM não cativa turistas portugueses
Macau é uma passagemDurante duas semanas, no metro, nos comboios e nos autocarros de Portugal estiveram expostos cerca de dois mil “mupis”, com o mote “Sentir Macau”. O objectivo era promover a viagem exclusiva para a RAEM da “Viagens Abreu”, que constituiu uma das inovações deste ano da feira anual da agência, ocorrida entre sexta-feira e domingo na FIL, em Lisboa. No entanto, a poucas horas do final da “Mundo Abreu”, nenhum visitante tinha ainda comprado o pacote turístico “Macau, Estrela do Oriente”, admitiu a técnica de turismo, Olga Vaia, responsável pelas grandes viagens criadas pela “Club 1840”, operadora turística da agência.
A técnica de turismo garantiu que já esperava estes resultados. “Por mais completo que o território seja, as pessoas não conseguem resistir à tentação de dar um pulo a Hong Kong, Pequim ou Xangai, fazendo uma viagem mais completa”, explicou Olga Vaia, acrescentando que “sabia a priori que desta vez não ia funcionar”, mas ambicionava “mostrar e dar destaque à RAEM como destino”, sendo “esta a melhor forma de o fazer”. Para Olga Vaia, o território “é um destino onde se deve investir e ao qual os turistas não podem deixar de ir quando visitam o Oriente”.
Por outro lado, a técnica de turismo lembrou que os preços promocionais praticados na “Mundo Abreu” estarão disponíveis até domingo. Por isso, está confiante que até lá receberá pedidos de reserva para a “Estrela do Oriente”. Segundo Olga Vaia, geralmente, os clientes das grandes viagens não reservam o pedido na feira, preferindo fazê-lo no conforto de uma loja.
A técnica sublinhou que “mesmo que ninguém reserve a viagem exclusiva para o território, será uma aposta ganha” se o público exigir a inclusão de Macau nas viagens à China. Neste ponto, Olga Vaia sublinhou que os pacotes de viagens à China, nos quais se insere a RAEM, estão a ter grande sucesso. “Antes os nossos clientes queriam ir à China mas não exigiam saber quanto custaria uma ida a Macau mas agora já começam a considerar e a desejar a inclusão do território no percurso”, salientou.
Segundo a mesma responsável, o interesse por Macau está novamente a despertar em Portugal. “Depois de 1999, os portugueses desinteressaram-se pelo território mas agora, com todas as informações que chegam da RAEM, têm mais curiosidade” em saber o que aconteceu após a transferência de soberania.
O “namoro” entre a Viagens Abreu e o território terá começado no ano passado em Maio, aquando da visita do director da operadora turística, Diamantino Pereira, à RAEM, adiantou Olga Vaia. “O entusiasmo que trouxe foi suficiente para nos despertar a curiosidade” sobre o território, contou.
Na verdade, para a técnica de turismo, o “tesouro” de Macau é, em grande parte, o vestígio português, assim como os recentes investimentos na RAEM. Daí que, ao elaborar o programa da viagem, Olga Vaia tenha agendado, além de uma visita ao património histórico, tempo livre para que as pessoas possam descobrir por si próprias “tudo aquilo que Macau tem para oferecer”.
Na “Mundo Abreu”, estas e outras características do território estão expostas num stand promocional, um dos mais destacados da feira. “Este ano temos um espaço maior na feira”, salientou o coordenador do Centro de Promoção e Informação Turística de Macau em Portugal, Rodolfo Faustino. De acordo com o coordenador, o stand tem tido sucesso, pois recebe muitos portugueses que querem saber mais sobre o “novo Macau”. “A nova era do território está a despertar interesse”, salientou, embora lembre que os portugueses não esquecem as ligações patrimoniais pois ainda “têm Macau no coração”. Rodolfo Faustino acredita que com um produto específico para Macau, através da Viagens Abreu, “há já uma procura pelo território não só em termos institucionais mas também em termos comerciais”.
Para o mesmo responsável, o preço da Estrela do Oriente é “absolutamente suportável”. Ao preço da feira, uma viagem de sete dias entre 1 de Maio e 20 de Junho e entre 16 de Setembro e 31 de Outubro, custa 1350 euros (cerca de 17 mil patacas), enquanto que entre 21 de Junho e 15 de Setembro custa 1466 euros (cerca de 18.500 patacas). O alojamento mais barato será no Hotel Sintra, mas mediante um pagamento extra os visitantes poderão ficar hospedados no Wynn, no Venetian ou no MGM Grand Hotel.
Tal como aconteceu na Bolsa de Turismo de Lisboa, em Janeiro, o stand de Macau, além de oferecer informações sobre o território, apresentou também alguns espectáculos, como as exibições de dança do dragão e de artes marciais que, segundo Rodolfo Faustino, encantaram os visitantes da “Mundo Abreu”.
Laura Bastos, em Lisboa
O rei e a rainha de outros tempos estão a chegar às bancas da fruta
A líchia e o longan
A primeira vez que ouvimos falar de líchias foi no livro A Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, ficando a saber tratar-se de um fruto. Mas sem imagem mental pouco interesse despertou. Um dia, já lá vão três dezenas de anos, ao fazer uma refeição num dos poucos restaurantes chineses, que então existiam em Portugal, provámos um fruto de cor branca, transparente e mais ou menos gelatinoso, que como sobremesa nos foi servido com uma calda muito doce. Vinha sem caroço e em conserva.
Só quando viemos viver para o Extremo Oriente é que tomámos consciência da que se considerava antigamente a rainha das frutas. Há um ditado que diz: “A líchia está para os outros frutos como os imortais ou Buda estão para o comum dos mortais”.
Passeávamos em Maio pela rua da fruta, junto à rotunda dos Três Candeeiros (Carlos da Maia), quando ao olhar para uma banca vemos uma série de pequenos ramos atados em cacho, cheios de pequenas bolas vermelhas de tamanho um pouco maior e mais arredondadas que as uvas. A vendedeira, percebendo o nosso interesse, oferece-nos uma e com um gesto diz-nos para provar. O intenso perfume adocicado, que logo se desprendeu quando retirámos a casca um pouco rugosa ao tacto e expôs o fruto branco, fez saltar da memória sensitiva a primeira vez que a provámos. O sabor correspondia mais ou menos ao da uva moscatel.
Poucos dias depois, andando com uns amigos chineses em passeio pelo distrito vizinho de Macau, passando por um vendedor com a banca na borda da estada, aí parámos. Este deixou-nos ir ao campo colher das árvores as líchias e foi assim que complementámos o nosso conhecimento sobre esta fruta.
Originária do Sul da China, a líchia (Litchi chinensis Sonn ou fruto Nephelium Litchi) era cultivada desde o século III a.C. Existem muitos livros antigos sobre líchias, mas o que apresenta mais detalhes é o de Cai Xiang, escrito durante a dinastia dos Song do Norte e que fala de 32 espécies de líchias. Outro livro, escrito durante a dinastia Ming, por Xu Bo, refere haver 70 espécies. A líchia precisa de muito calor e chuva logo só se dá num clima tropical.
Como apreciadores desta fruta, ao viajarmos pelas províncias do Sul da China (Guangdong, Fuquiam, Guangxi e Sichuan), encontramo-las com diferentes sabores e formas.
Um dia andávamos pelo distrito de Nanhai, na província de Guangdong, quando nos deram a provar umas líchias conhecidas desde a dinastia Tang como o Sorriso da Concubina. Tal como o nome indicava, eram as eleitas para agradar às mulheres da corte, que nesse período se encontrava em Chang’an (actual Xian). E para que chegassem frescas à capital, viajavam de cavalo por estafetas.
A líchia aparece entre os meses de Maio e Junho e as árvores de líchia duram bastante tempo, havendo uma em Fuquiam com mais de mil e quatrocentos anos que continua a produzir.
Crê-se que o fruto seco da líchia serve para purificar o sangue, tonificar o cérebro e fortificar a saúde.
Parecido com a líchia é o longan (longana em português), que significa “olho de dragão”. De casca amarelada e mais fina, é um pouco mais pequeno e menos gostoso que a líchia, sendo a sua polpa mais ácida. Nos tempos antigos estava registado como fruta-rei e na dinastia Han era usado como um precioso tonificante. Existem 400 espécies de longans, que são produzidos nas mesmas regiões que a líchia.
A fruta seca de longan é chamada guiyuan e tem mais valor que as líchias secas. Os livros farmacêuticos dizem servir a polpa para tonificar o baço, enriquecer o sangue e por isso ser bom para tratar anemias. Também tranquiliza a mente sendo usado contra as insónias e neuroses. O caroço, sem a sua pele preta, quando moído serve para aplicar em feridas e assim parar hemorragias.
Na Primavera, a árvore da Litchi chinensis encontra-se em flor e em Junho e Julho dá fruta. No entanto, actualmente estas podem ser vistas nas bancas a partir do mês de Abril. E é assim que começámos a desfrutar destes dois suculentos e requintados produtos que mais parecem provenientes do Paraíso.
José Simões Morais
Artista plástico, estudioso de Questões Civilizacionais