quinta-feira, 3 de abril de 2008

Especialista em relações euro-asiáticas comenta questão do Tibete, A China a acontecer, Antepassados são homenageados amanhã

Especialista em relações euro-asiáticas comenta questão do Tibete

UE não vai apelar ao boicote dos Jogos Olímpicos

Sejam as alegadas violações dos direitos humanos no Tibete ou as eleições do Zimbabué, todas estas questões têm um impacto “global” e qualquer país tem direito a comentar. Mas a União Europeia (UE), enquanto organismo que congrega 27 Estados-membros, “não irá apelar ao boicote aos Jogos Olímpicos em Pequim”. Foram os comentários do director do Centro União Europeia-Rússia e conselheiro especial do Centro de Política Europeia, em Bruxelas, Fraser Cameron, às recentes declarações das autoridades do Continente que advertiam a Europa para uma não intromissão em assuntos internos.
Em Macau para discursar numa conferência que visa traçar um retrato da política da União Europeia em relação à Ásia, Fraser Cameron realçou, a propósito do Tibete, que “existem certos padrões de comportamento aos quais a comunidade internacional tem de estar atenta”. Além disso, explicou, “da perspectiva da UE, ninguém está a pôr em causa a soberania da China em relação ao Tibete”. Contudo, a questão que se coloca está, ao invés, directamente ligada ao modo como as “autoridades chinesas poderão estar a piorar a situação, recusando-se a falar com o Dalai Lama” ou não “fazendo um maior esforço no sentido de alcançar a autonomia para o Tibete”.
Palavras cautelosas do perito europeu que não deixou, contudo, de se referir à existência de uma nova geração de líderes políticos, como Ângela Merkel, na Alemanha, Sarkozy, em França, ou o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown. “Todos estão preparados para uma reunião com o Dalai Lama e até estão a considerar boicotar os Jogos Olímpicos, em consequência do que se passou no Tibete”, diz. Reconhecendo que a União Europeia está preocupada, Fraser Cameron não deixou de referir que “não está mais preocupada com o Tibete do que, por exemplo, com o Zimbabué ou o Mianmar”.
Quanto a uma eventual reunião de responsáveis da União Europeia com o líder espiritual do Tibete, Fraser Cameron afirmou que o Dalai Lama “foi convidado para discursar no Parlamento Europeu”. Além disso, já tendo o Dalai Lama anunciado que se deslocará à Europa no próximo mês, realçou Fraser Cameron, o primeiro-ministro britânico já declarou que irá encontrar-se com o líder separatista. Aliás, antecipadamente, Gordon Brown telefonou a Hu Jintao revelando que iria fazê-lo. Por isso, “os chineses não estão surpreendidos”. E, mais uma vez, enfatizou que não se trata de um assunto que está a “colocar centenas de pessoas nas ruas”. O interesse mediático deve-se, sobretudo, “à realização dos Jogos Olímpicos em Pequim”.
Quanto à abordagem em relação ao modo como alguns países asiáticos continuam a encarar casos como o do Tibete, Fraser Cameron considera que “está a mudar”. Por exemplo, nos recentes conflitos ocorridos no Myanmar a maioria dos países dizia que “não comentava” ou “não interferia”. Tal, contudo, está a mudar, como se pode ver pelos “comentários” quanto ao Tibete. Talvez por pressão internacional, revelou. Observando o “Tribunal Penal Internacional, já há um movimento em direcção a uma maior aceitação dos padrões internacionais e normas de conduta”. “A China também compreende isso”, concluiu.
Inquirido a propósito do embargo de venda de armas à China que permanece desde os incidentes ocorridos na Praça de Tiananmen, em 1989, Fraser Cameron afirmou que não acredita que tal mude num futuro próximo. “Há uns anos, devido a declarações de Schroeder e Chirac, os chineses pensaram que tal iria acontecer. Mas é necessário o acordo de todos os Estados. E os norte-americanos opuseram-se”, contou. Este é um dos pontos que “irrita a China”. É uma “questão política”, que está ligada apenas ao que a China estará disponível para dar em troca. Por exemplo, “libertará os prisioneiros de Tiananmen?”
Sendo a China um importante parceiro comercial da União Europeia, será que a posição manifestada pelos países europeus poderá perturbar as relações? Em teoria “sim”. Na prática, o que acontece é que “os chineses não misturam política com negócios” – continuam a “precisar do investimento europeu e conhecimento em vários campos”.
Mas nem só o Tibete preocupa a União Europeia. “Caxemira, a Coreia do Norte, o Afeganistão” são apenas alguns exemplos de violação dos direitos humanos na Ásia. Contudo, admite, “a situação no Sudeste Asiático tem vindo a melhorar nos últimos 15 anos”. Mas as preocupações quanto à implementação da democracia ou ao primado da lei continuam a fazer parte da agenda da União Europeia no que à Ásia diz respeito.
É a postura da UE “paternalista” em relação à China? Fraser Cameron afirma que talvez. “É necessário ter em conta que os padrões europeus não são os únicos que devem ser tidos em conta.” Por isso, há que encontrar algumas “áreas neutras de interesses comuns, onde podem trabalhar juntos”. Chegar a um ponto de vista pragmático, ao invés de “fazer um grande alarido sobre assuntos sagrados e indivíduos, o que é bom para as manchetes, mas raramente surte efeitos”

Uma avaliação das políticas europeias em relação à Ásia

Falta limar algumas arestas no que toca ao impacto das políticas europeias na Ásia. Fraser Cameron afirma que pontos como o Protocolo de Quioto ou a saúde pública” têm de ser trabalhados.
Quanto ao modo como a Ásia encara a União Europeia, em primeiro lugar vê o “euro e a sua força”. Em segundo lugar, a existência do Espaço Schengen, que simboliza a possibilidade de livre circulação sem necessidade de exibição de passaportes. Em terceiro lugar, tem noção da sua importância através da “comunidade empresarial e dos quadros legais”. Mas, afirma, é “difícil avaliar o impacto da UE, porque é um conceito também ele difícil, ou não se tratassem de 27 Estados-membros, todos com a sua própria identidade”.

O papel de Macau

Referindo-se ao papel de Macau enquanto plataforma de ligação entre o Oriente e o Ocidente, Fraser Cameron afirmou que tal se deve especialmente a Portugal.
Contente com a criação de um Centro da União Europeia em Macau, que “tem sido um sucesso em países como o Japão, Coreia, Austrália e Nova Zelândia”, o especialista afirma que se trata de um local para formar estudantes, “dar-lhes background sobre o funcionamento da União Europeia”, além de “proporcionar conferências, contactos”. Principalmente, é uma forma
de “ganhar consciência sobre a UE, em áreas que os afectam”, diz.
Luciana Leitão
Fotografia: Carmo Correia

Maria João Belchior, jornalista portuguesa em Pequim

A China a acontecer

Em Pequim chamam-lhe Mǎ lì Yǎ, transcrição fonética de Maria, sons a que já se habituou, mas no passaporte português está escrito Maria João Belchior. É jornalista.
A curiosidade empurrou-a para uma pós-graduação sobre China Moderna, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa, há cerca de seis anos. “Lembro-me de um professor da Universidade Católica, onde estudei, ter dito: ‘Não vá fazer isto apenas por curiosidade’. Mas pensei: É a curiosidade que me move em tudo!”, justifica.
De Lisboa até Pequim foi um passo com milhares de quilómetros. Em 2002, Maria João Belchior partiu para a China com uma bolsa de estudo numa mão, para aprender mais sobre língua e cultura chinesa, na Universidade de Línguas Estrangeiras de Pequim, cidade onde permaneceu desde então; e com um sonho na outra, ser jornalista correspondente para órgãos de comunicação social em Portugal.
Quando chegou ao continente asiático percebeu que apenas “conseguia dizer três ou quatro palavras em mandarim: Portugal, chá e olá”, apesar de ter iniciado o estudo da língua ainda em Portugal.
Os primeiros dias de contacto com a capital chinesa foram marcados por algumas surpresas e primeiras impressões. “No primeiro dia, estava a chover muito e achei tudo muito escuro e cheio de polícia”, recorda. “Na verdade, depois percebi que eram uniformes diferentes que pertenciam à segurança de Pequim, aos seguranças dos bancos, ao exército, e à própria polícia. Só que, na primeira semana, foi estranho ver tanto uniforme”, conta.
Apesar de ter tido um primeiro contacto com a Ásia, em 1994, quando visitou Macau e Hong Kong, foi em Pequim que encontrou uma China diferente, que ainda hoje a surpreende.
A escassos meses do início dos Jogos Olímpicos, Mǎ lì yǎ mostra uma visão particular da cidade que a acolheu. “Apesar da modernidade da cidade que se prepara para os Olímpicos, Pequim guarda para mim um sabor tradicional que não vejo tanto noutros sítios como Xangai, por exemplo”, cidade que visitou em 2002. “[Pequim] Vai crescendo, mas sobrevive aos tempos tal como é, nos cantos mais guardados das ruas antigas.” Essa magia conquistou-a e, por isso, optou por residir numa zona mais antiga, deixando para trás os arranha-céus da nova urbe em desenvolvimento.
Por vezes, sente algum cansaço e vontade de recomeçar noutro lugar, mas é um sentimento passageiro. Rapidamente, constata que ainda tem muito para aprender e para se surpreender no lugar onde vive, para não falar do sonho que trazia na bagagem. O sonho conseguiu concretizá-lo, após três anos de estadia na capital, e quer continuar a alimentá-lo. É agora jornalista correspondente registada pela SIC Notícias e pela rádio portuguesa TSF. Maria João já iniciou o processo para poder estar presente na cobertura dos Jogos Olímpicos, mas ainda não sabe se vai conseguir.
A certeza é a de que vai continuar por mais algum tempo na China, mas a dúvida surge quando questionada sobre o número de anos. “Não sei até quando, mas a minha estadia vai durar até depois de 2008, de certeza ”, responde. No entanto, continua a classificar-se como “turista a título provisório”, sentindo-se enquadrada na cidade “mesmo sabendo que sou diferente por chegar de outra cultura”, sublinha.
O país em geral, a cidade em particular, constituem um desafio estimulante, que está habituada a encarar e vencer no dia-a-dia, e dispara: “Se quisesse alguma coisa fácil ou igual a Portugal, não teria vindo para cá!”
Além da agenda informativa, seguida habitualmente pelas agências noticiosas, a jornalista portuguesa vai à procura das suas próprias histórias e é isso que lhe dá prazer. O trabalho é facilitado por ler, compreender e falar chinês. Reconhece, contudo, que ainda tem muito para aprender e continua “a ter sempre muito para estudar e entender, tanto ao nível oral, como ao nível escrito”, comprovando que a aprendizagem é constante.
Maria João elege, assim, a reportagem de rua como a sua forma de trabalhar preferida, ou seja, “andar de olhos bem abertos a reparar no que acontece, paralelamente à agenda política”, mas sem nunca esquecer o devido enquadramento. Já deu a conhecer histórias de chineses de etnia Uigur, quando visitou parte da rota da seda em Kahsgar, em Julho do ano passado. Assim como contou a história simples de uma simples imigrante chinesa, vinda da província de Sichuan, e a trabalhar num elevador por 800 yuan por mês. Histórias que só foi possível tornar públicas devido ao seu conhecimento da língua que considera um ponto a favor, não tendo que passar por intermediários, “apesar de não ser uma condição essencial para outras pessoas”, acrescenta.
Além da escrita, Maria João eterniza as histórias através da sua máquina fotográfica, reconhecendo que gosta de ir “olhando e fotografando os bocadinhos de mundo” pelos quais vai passando. Mas, apesar de andar de máquina fotográfica na mão, elege o cinema e a leitura como os seus grandes passatempos e revela um dos últimos livros que leu, dos muitos que lê em simultâneo: o volume IV do Diário do José Gomes Ferreira, escrito na primeira metade de 1968.
Sandra Gomes

Antepassados são homenageados amanhã

A festa Qingming

A festa do Puro Brilho ou Pura Claridade é uma das raras festividades chinesas e está ligada ao calendário solar. Por isso realiza-se no dia 4 ou 5 de Abril, consoante o ano é bissexto, ou tem 365 dias. É uma festa taoista e, nesse dia, faz-se a Grande Cerimónia aos que já passaram por esta vida, realizando as famílias uma visita ao cemitério onde procedem à limpeza e renovação das campas dos seus antepassados. Oferecem-lhes sacrifícios como queimando incenso e dinheiro dos mortos, e as famílias reunidas à volta da campa, o que permite um estreitar de laços, aí fazem uma refeição.
Ligada ao calendário do Agricultor, o seu quinto termo solar comemora o Qingming e acontece 105 ou 106 dias depois do 22º termo, Dongzhi, o Solstício de Inverno, quando se realiza o Festival da Preciosa Pureza.
A invenção de um sistema de termos solares foi sendo elaborado através dos tempos, a partir das observações feitas por astrónomos. Os termos estão directamente ligados à eclíptica e são indicadores das estações do ano e entre estes 24 termos estão os dois solstícios, os primeiros a ser estabelecidos e depois, os dois equinócios. Estes termos solares foram gradualmente reconhecidos por volta do século III a.C., quando Lu Shi Chun Qiu os compilou. Mas foi no livro Huai Nan Zi, uma colectânea de antigos contos de fadas escrito no ano 120 a.C., que todos os termos ficaram mencionados e assim ficou elaborado o calendário solar do Agricultor. As datas são fixas, sendo o início da Primavera a primeira grande festa, que marca o início de um novo ano agrícola e calha no dia 4 de Fevereiro, por vezes no dia 5, se houver ajustamentos no calendário. Qingming, que significa “limpo e brilhante”, é o quinto dos 24 termos solares. O Sol move-se 15º no zodíaco, começando os dias a ficar mais quentes e o céu mais brilhante e limpo.
O culto aos Antepassados vem de tempos imemoráveis, tendo Confúcio reiterado tal na sua filosofia. Os imperadores desde sempre fizeram cerimónias anuais para visitar e arranjar as campas dos seus antepassados, mas as datas escolhidas variavam.
Também no período da Primavera-Outono da dinastia Zhou do Leste celebrava-se a festa da Comida Fria.
A história começa em 655 a.C.. O duque Xian, influenciado pela sua segunda mulher Liji para que fosse o seu filho, o príncipe Xiqi, o sucessor na governação do reino Jin, ordenou que os três filhos da sua primeira esposa fossem mortos. O mais velho, Shensheng, sabendo disso, logo se suicidou e os dois irmãos mais novos fugiram. Um dia, Chong-er, o mais velho dos dois fugitivos, muito depauperado pela fome e já sem se conseguir mexer, levou a que um dos seus leais oficiais, Jie Zitui, cortasse partes de carne da sua coxa para o alimentar.
Após ter passado 19 anos no exílio, Chong-er, agora com 60 anos, torna-se o duque Wen e ascende ao trono do reino Jin em 636 a.C.. O exílio deu-lhe um grande conhecimento sobre o social da sua época e poucos anos depois estabelece a liga “leal ao rei Zhou”. No entanto, esqueceu-se do seu mais leal oficial e, por isso, Jie Zitui deixa a carreira e vai para uma montanha com a sua mãe. O duque Wen, reconhecendo a sua ingratidão, manda-o chamar, mas ele diz preferir o seu desterro e ficar só. Um oficial da corte sugere deitar fogo à montanha e assim ele seria obrigado a regressar. Tal se fez, mas após três dias e como não tivesse regressado, foram à sua procura. Encontraram-no com a sua mãe, mortos pelo fogo que consumiu toda a vegetação da montanha. Com remorsos, o duque Wen ordenou que se desse o nome de Jie ao monte e aí mandou erguer um templo em honra de Jie Zitui e da sua mãe. Para celebrar o dia da morte de Jie ordenou aos seus súbditos que nesse dia não acendessem o fogo e por isso ficou conhecido como o festival da Comida Fria.
Entre o século II a.C. até à dinastia Tang, no calendário popular chinês havia a festividade da Comida Fria, dias antes da comemoração do Qingming.
Na dinastia Tang, por decreto imperial, começou a celebrar-se no dia da Comida Fria, com a subida ao monte onde os cemitérios se encontram, e fazendo-se as limpezas às campas, passando esse dia durante a dinastia Ming a ser realizado no Qingming.
Por isso, não estranhe o leitor, ao passar amanhã junto ao cemitério chinês na Taipa, a quantidade de pessoas vestidas com roupa de cerimónia e carregando inúmeros embrulhos, pois dirigem-se para a campa dos seus antepassados para proceder à sua limpeza e arranjos. Aí vão passar boa parte do dia, tomando uma refeição de comida fria sobre a campa, já que é o dia de prestar homenagem aos mortos.
José Simões Morais,
artista plástico, estudioso de Questões Civilizacionais
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

Sem comentários: