quinta-feira, 10 de abril de 2008

AL adia votação de diploma sobre trabalhadores não-residentes, AI Portugal prepara acção de rua sobre a China, O país do faz de conta

AL adia votação de diploma sobre contratação de trabalhadores não-residentes

A casa não começa pelo telhado

O diploma dos princípios reguladores da contratação de trabalhadores não-residentes só vai ser discutido e votado na generalidade pela Assembleia Legislativa (AL) após a entrada em vigor da Lei Laboral. As expectativas de uma tarde de debate aceso no hemiciclo saíram goradas. O deputado Chui Sai Cheong apresentou, antes do início da discussão, uma proposta para adiar os trabalhos. A moção foi aprovada pela maioria dos membros da AL.
“Considero que não estão reunidas as condições necessárias para aprovar a lei. Muitos artigos remetem para a Lei Laboral”, apontou o mesmo responsável. Por esta razão, Chui Sai Cheong defendeu que a discussão e aprovação do articulado só pode avançar quando estiver em vigor a legislação que serviu de base à elaboração deste diploma.
Este tipo de procedimento está contemplado pelo Regimento da Assembleia. Após a apresentação, os deputados votaram a proposta de adiamento. Au Kam San foi o único que votou contra e os Princípios Reguladores da Contratação de Trabalhadores Não-residentes só voltarão ao hemiciclo depois da terceira comissão avaliar o diploma da Lei Laboral.
A proposta de lei que estipula o sistema de contratação de mão-de-obra importada é actualmente um dos diplomas que mais centra as atenções da RAEM. A matéria causa cisões na sociedade. Por um lado, o sector que representa os empregadores defende que a força de trabalho estrangeira é a única via para satisfazer a carência de recursos humanos de Macau; por outro, a classe laboral receia que os direitos dos trabalhadores locais sejam prejudicados.
Os Princípios Reguladores da Contratação de Trabalhadores Não-residentes são a estratégia do Governo para tentar encontrar um equilíbrio. No entanto, os deputados mostraram-se bastante críticos e apreensivos na primeira vez que o secretário para a Economia e Finanças, Francis Tam, se deslocou à AL para apresentar a proposta de lei.
Em finais de Fevereiro, o governante abandonou o edifício com uma lista repleta de críticas. Durante a sessão, Francis Tam fugiu sempre às questões, “apontando” todos os comentários e prometendo “muito diálogo com os deputados e a sociedade”.
A Assembleia classificou de vago, ambíguo e abstracto o conteúdo da proposta de lei. Os membros da AL reprovaram o facto de o diploma não definir os valores das taxas de contratação dos trabalhadores estrangeiros que devem ser pagas pelas entidades empregadoras. Francis Tam respondeu dizendo que todos os pormenores serão contemplados num regulamento administrativo sobre a mesma matéria. O problema é que, lembrou na altura Leong Iok Wa, esse tipo de diplomas não passa pela apreciação da AL.
Da proposta de lei apresentada pelo Governo, destaca-se a manutenção do princípio de complemento da mão-de-obra local da importação de trabalhadores, estando esta medida sujeita a prévia autorização administrativa. Por outro lado, os direitos da força de trabalho estrangeira serão reforçados, algo que, segundo afirmou anteriormente Francis Tam, não tinha ainda sido devidamente salvaguardado.
O diploma prevê ainda a intervenção do Executivo na suspensão da política de contratação de trabalhadores não-residentes em caso de situações prejudiciais para os habitantes locais ou para o estado da economia da RAEM.
Em matéria de responsabilidade criminal, destaca-se também o agravamento da punição para quem contratar trabalhadores sem autorização para permanecer em Macau nessa qualidade. De um ano, a pena de prisão passa para três e a multa aumenta 30 dias, fixando-se nos 150.
Alexandra Lages
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

Amnistia Internacional Portugal prepara acção de rua sobre a China

Um alerta para os direitos humanos

Numa acção de rua a cargo da Amnistia Internacional (AI), no dia 5 de Maio haverá cartazes e faixas erguidas em algumas cidades portuguesas. A mensagem será a da “melhoria dos direitos humanos” na China, que é o “verdadeiro legado dos Jogos Olímpicos”. Uma informação que já está a ser veiculada na Internet e que foi confirmada ao Tai Chung Pou pela coordenadora do co-grupo da China da Amnistia Internacional Portugal, Maria Teresa Nogueira, uma das organizadoras.
O número de pessoas envolvidas, nesta fase do campeonato, a responsável não sabe prever, dado que só na altura poderá confirmar. Apenas revelou que terá lugar nas ruas principais de Lisboa, Aveiro, Castelo Branco e Sintra. Os membros da AI irão empunhar alguns “banners” apelando a uma “melhoria da protecção dos direitos humanos” na China. Aqueles que aderirem ao movimento poderão “escrever nos cartazes os seus desejos”. Sempre no intuito de preservar aquele que deveria ser o “legado” das Olimpíadas, “despertando consciências”. “Não somos pelo boicote aos Jogos Olímpicos”, alertou. Mas, afirma, o que se tem visto é que o ponto de situação no que toca aos direitos humanos “está pior por causa do evento desportivo”, não se referindo exclusivamente aos recentes incidentes no Tibete que têm preenchido as páginas dos jornais.
Referindo-se a casos como o da condenação a três anos e meio de prisão do activista chinês Hu Jia, pelo crime de subversão, na sequência de críticas ao regime comunista, Maria Teresa Nogueira afirma que “a China não está a cumprir as suas promessas no que toca aos direitos humanos”. Mas a acção de rua é feita também a pensar nos “inúmeros jornalistas, activistas e peticionários de Pequim, que foram presos, reenviados para as terras de origem ou submetidos a detenção administrativa”. Ou mesmo no que toca “à ausência de garantias de julgamento justo” como, denuncia, se viu “no caso de Hu Jia, cujo advogado falou apenas durante 15 minutos, além de não ter tido tempo para preparar a defesa”. A pena de morte que continua a ser prevista e aplicada também é um dos pontos que estará em causa na acção de dia 5 de Maio, considerando inadmissível que “uma confissão obtida sob tortura seja suficiente para condenar alguém à morte”.
No que toca ao Tibete, o desejo da Amnistia Internacional é que “seja permitida a entrada dos observadores da Organização das Nações Unidas e libertados os que se estão a manifestar pacificamente”, já que, na sua opinião, “é a identidade do povo tibetano que está a ser anulada”. Apesar de tudo, boicotar os Jogos Olímpicos “não traria quaisquer resultados”. Mas, ao invés, já que se irão realizar em Pequim, o desejo da AI é que “sejam acompanhados por uma melhoria dos direitos humanos”. Coordenadora do co-grupo da China, Maria Teresa Nogueira afirma que “admira a cultura chinesa”, mas condena a actuação do Governo Central que tem vindo a “atentar à dignidade humana”.
Contactado pelo Tai Chung Pou, de passagem pelo Continente, o presidente do Comité Olímpico de Portugal, Vicente Moura, diz não ter conhecimento dos planos da AI e “lamenta” os protestos que têm ocorrido nos vários países, especialmente agora que a tocha olímpica está a circular pelos cinco continentes, como forma de “difundir a confraternização entre os povos”. Na opinião do dirigente, “há que deixar a política fora da actividade desportiva”. Até porque, o que o Comité Olímpico de Portugal quer é “que os Jogos Olímpicos se realizem”, considerando que, caso tal não aconteça, “os mais prejudicados são os atletas”. E afirma que os “desportistas que aderirem ao boicote ficarão arrependidos”, porque “passarão à margem de uma possibilidade de ter uma carreira internacional”.
Quanto aos eventuais boicotes que têm vindo a ser referidos nos órgãos de comunicação social, nomeadamente no que toca à França e à Alemanha, cujos respectivos dirigentes máximos colocaram essa hipótese em cima da mesa, Vicente Moura diz que é uma acção dos “políticos”, não dos “comités olímpicos”. Por isso, reitera, “são duas partes diferentes [a política e o desporto]”, não lhe cabendo pronunciar-se sobre a política. “O que lhe posso dizer é que os Jogos Olímpicos interessam aos atletas”, cujas carreiras poderão ser “encerradas” se ficarem de fora de uma competição internacional. De resto, “não contesto nem deixo de contestar, não tenho preocupações de carácter político”.
Recorde-se que esta semana foi veiculada uma notícia sobre a realização de uma reunião do Comité Olímpico Internacional para discutir uma eventual anulação do percurso mundial da tocha olímpica, dado os recentes protestos que marcaram a passagem da chama por Londres e Paris. O presidente do COI veio ontem dizer que não há alterações.
No caso de Macau, o vice-presidente do Comité Olímpico de Macau (COM), Manuel Silvério, afirmou que o transporte do símbolo das Olimpíadas está a ser preparado “há vários meses”, não escondendo, contudo, que “há uma possibilidade [de surgirem perturbações na passagem da tocha em Macau]”. “Temos uma responsabilidade acrescida depois de termos assistido aos últimos acontecimentos na Europa”, rematou.

Xinhua rejeita relatório da AI

O relatório da Amnistia Internacional que acusa a China de violações dos direitos humanos, nomeadamente na forma como lidou com os incidentes ocorridos no Tibete, e apela ao Comité Internacional Olímpico a pressionar o país, foi rejeitado por vários peritos chineses, avançou a Agência Xinhua.
O vice-presidente da Associação da China para os Estudos dos Direitos Humanos, Chen Shiqiu, afirmou que alguns países ocidentais “analisam sempre a China por óculos quebrados, e não estão confortáveis com o rápido desenvolvimento do país”. Discursando num seminário, Chen afirmou que o relatório é a “voz dos seguidores do Dalai Lama e dos separatistas tibetanos que querem sabotar os Jogos Olímpicos”. Além disso, acrescentou, o relatório “é um ataque à China sob a capa de direitos humanos, de forma a manchar a paz e estabiidade da nação, bem como a unidade étnica e o progresso social”. Já o director desse mesmo organismo, Xiong Lei, afirmou que a Amnistia Internacional deveria “aprender mais sobre os direitos humanos”. Aquilo que a AI identifica como um “ataque aos manifestantes tibetanos”, Xiong Lei afirma tratar-se de “criminosos envolvidos em vandalismo e agressões”. ”Estão a atentar contra os direitos humanos, ao invés de estarem a agir em sua defesa”, rematou.
Luciana Leitão

Butão ou Druk Yul, a terra do dragão relâmpago

O país do faz de conta

Tem fama de estar fechado ao mundo exterior, parado no tempo como se ainda fosse Idade Média. Mas a abertura do Butão já tem mais de trinta anos. Televisão satélite, telemóveis de terceira geração (já a caminho), companhia aérea, Internet ou playstation não são novidades no país que na intimidade se chama Druk Yul, terra do dragão relâmpago, numa tradução livre.
Apesar do progresso já ter aterrado nos montes, montanhas e vales do território do tamanho da Suíça, a preservação da cultura e da identidade é psicose nacional. A arquitectura, religião, a arte ou a forma de vestir mantêm-se fiéis à tradição.
Depois de uma viagem aérea com vista desarmada sobre os Himalaias, o piloto alerta os passageiros para não estranharem as curvas e manobras aéreas que contornam e roçam os montes, antes da descida para a pista de Paro, única cidade do Butão com direito a aeroporto.
Em terra, para além do imenso vale e montes prestes a cobrirem-se de verde, a primeira impressão que salta ao olho é o gho, fato típico do Butão que está em praticamente todos os corpos masculinos. Essa espécie de uniforme nacional é uma túnica que fica um pouco além dos joelhos, atada com força à cintura, transformando a parte de cima numa bolsa improvisada. O vestuário é uma obrigatoriedade, imposta por lei, das 9h00 às 17h00, para os funcionários públicos e quase tudo o resto. Obrigatório para os homens é também o uso de meias pelo joelho, excepção feita durante o Inverno (durante o qual ceroulas ou, numa versão moderna, jeans são permitidos), que “oficialmente” só inicia quando os monges decidem mudar-se para um dos principais mosteiros do país, em Punhaka. Só nos sapatos se nota que a rigidez já não é o que era. As botas adornadas deram lugar aos sapatos de pele brilhantes ou às sapatilhas de marca.
Imponente no monte, acessível através de uma ponte tradicional, está o seiscentista Paro Dzong, um dos elementos mais frequentes e visíveis da arquitectura do Butão. As enormes e brancas cidadelas (uma combinação forte-mosteiro) ainda hoje dão tecto ao poder secular e religioso de cada região. Uns metros acima do dzong, está o contemporâneo e arredondado Museu Nacional, onde factos históricos e ciência se confundem com magia e mitos. A visita, circular e descendente, acaba por ser uma descoberta sobre a forma de pensar sobrenatural do pequeno reino dos Himalaias de 635 mil habitantes, encravado entre a Índia e o Tibete, com o Nepal, não muito longe, à espreita.
De facto, o budismo, trazido por influências do vizinho Tibete por volta do século VII, está inscrito mesmo na paisagem do país, não só nos edifícios, sob a forma de mosteiros ou templos, mas também nas omnipresentes bandeiras e cilindros de oração, rodados no sentido dos ponteiros de relógios. A religião ajuda a explicar a sociedade, os hábitos, a arquitectura e (quase toda) a arte do Butão.
Mais difícil de explicar é a localização do Taktshang Goemba, o mais famoso dos mosteiros do país a três mil metros de altitude, que também responde pelo nome de Ninho de Tigre. Conta a lenda que, no século VIII, Guru Rinpoche, detentor de poderes sobrenaturais, voou nas asas de um tigre para o local onde viria a ser construído o edifício. Literalmente encravado num íngreme penhasco, o complexo fica a 900 metros acima do vale de Paro e a cerca de duas horas de distância, percorrida a pé ou a cavalo, dada a ausência actual de tigres voadores. Os caminhos da subida ao local sagrado foram concebidos por estudantes, num esforço nacional iniciado em 2000 e assinalado numa placa que serve também de incentivo à caminhada sempre ascendente: “Caminho para a Glória de Guru! Aqui, neste reino, reina um incomparável rei benevolente!”
O caminho para Thimphu já é quase todo feito de alcatrão. As estradas serpenteiam os montes e vales a caminho da capital do Butão, aqui e ali interrompidas por obras, queda de rochas e deslizamento de terras. Nas bermas, muitos trabalhadores indianos, elas com os filhos às costas, ajudam a concluir à pressa um projecto financiado pelo país a que pertencem. As estradas terão que estar terminadas a tempo da coroação do quinto rei do Butão, cuja data é a actual incógnita nacional. O pai, o quarto monarca, abdicou do trono a favor do jovem Jigme Khesar Namgyal Wangchuck, na casa dos vinte, de forma a poder supervisioná-lo nos actos reais e aconselhá-lo.
Thimphu apregoa ser a única capital do mundo sem semáforos. Os condutores da cidade de 98 mil almas guiam-se pelos gestos do polícia-sinaleiro, colocado numa espécie de mini-coreto plantado no principal cruzamento de Thimphu. O local e a respectiva figura humana tornaram-se já no postal turístico e característico do Butão. Foi feita uma tentativa (frustrada) de colocar semáforos, mas a população não gostou e preferiu manter o tratamento personalizado do trânsito.
Rei, ministros, funcionários da administração e monges partilham o mesmo dzong, o Trashi Chhoe do século XVII, quase paredes meias com a Assembleia Nacional. Incêndios e um terramoto obrigaram a várias renovações, a mais recente iniciada em 1962, quando o terceiro rei decidiu mudar a capital do país para Timphu. A reconstrução foi feita à moda antiga, sem planos escritos e sem o uso de um único prego.
Durante 300 anos, a antecessora de Thimphu foi Punakha, à qual se chega através de uma estrada que sobe aos três mil metros e rapidamente desce até aos mil e picos, numa espécie de montanha russa (de reduzido grau de dificuldade) ladeada de pinhais.
Erguido no cruzamento entre dois rios, o Punakha dzong, o segundo mais antigo e provavelmente o mais impressionante, continua a influenciar a vida de quase todos no país. O rei e os monges mudam-se para o dzong durante o Inverno, permitindo assim que os homens possam começar a usar meias compridas com o gho e, por outro lado, proibindo temporariamente as visitas dos turistas ao local.
Ao longo da história, o poder concentrou-se nesta zona oeste do Butão, onde, por essa razão, se encontram os mais antigos e gigantes dzongs. Um desses exemplos arquitectónicos, a duas dúzias de quilometros de Punakha, é o Wangdue Phodrang Dzong, cujos pátios são frequentados por galos e galinhas à solta. Com uma vista privilegiada sobre o rio que cobre o vale, o dzong (e a cidade) é ponto de passagem obrigatório para quem vai ou vem do Sul do país.
À ida ou à vinda do Butão, quando o avião sobrevoa Pairo, vêem-se trabalhadores em cima de vários telhados. Um cenário frequente nos últimos tempos e que está intimamente ligado à coroação, já que, por essa altura, todos os telhados do país terão que estar pintados de verde. Os únicos que escapam a essa cor são os edifícios religiosos, para quem está reservado o vermelho.
Com efeito, este é um ano de tripla festa nacional. Para além da cerimónia de coroação, dependente da conclusão de quase todas as actuais obras do país, em 2008 foi também celebrada a transformação do Butão numa monarquia constitucional, com o acto eleitoral do passado dia 24 de Março. Por fim, juntam-se as comemorações dos 100 anos da monarquia. Na verdade, segundo os mais simples cálculos de somar, o centenário foi alcançado no ano passado. Mas 2007 não era um ano auspicioso e, por isso, a crença passou a perna à matemática. Faz de conta que a monarquia do Butão faz 100 anos este ano. Faz de conta.

Cem anos (mais um) de monarquia

As boas relações com os britânicos garantiram-lhe a obtenção do título de Cavaleiro Comandante do Império Indiano. Ugyen Wangchuck já era, por isso, um Sir quando os mais importantes Lamas e senhores feudais o elegeram como chefe máximo do Butão. Foi coroado em 1907 com o título de Rei Dragão. O filho sucedeu-o em 1926 e continuou uma política de isolacionismo, permitindo ao Butão passar ao lado da Grande Depressão ou da II Guerra Mundial. Até meados do século XX, não existiam no país telefones, escolas, moeda nacional, hospitais ou correios.
O terceiro rei chegou em 1952. Educado na Índia e na Inglaterra, Jigme Dorji Wangchuck trouxe o mundo para o Butão, pondo um fim ao isolacionismo. A ocupação do vizinho Tibete em 1959 terá influenciado essa abertura ao exterior. Durante os anos 60 e 70, o Butão estabeleceu acordos com organizações internacionais e recebeu ajuda financeira e técnica para a construção de vários projectos. Em vinte anos, tantos quantos reinou, o terceiro monarca aboliu a servidão, criou 12 volumes de leis, uma assembleia nacional, um tribunal e as Forças Armadas.
O quarto rei, ainda adolescente, foi coroado em 1974, quando, pela primeira vez, foi permitida a entrada no país da imprensa internacional. Educado igualmente no exterior, o monarca continuou a modernização e estabeleceu um plano para a auto-subsistência económica. Foi também ele a criar o conceito de Felicidade Nacional Bruta (FNB), tão ou mais importante do que o Produto Interno Bruto (PIB). Para calcular a FNB, são utilizados critérios que medem o impacto do progresso e dos projectos de desenvolvimento na sociedade e na população. Nos censos de 2005, 96 por cento dos butaneses declararam-se felizes.
Em 1988, o rei casou, no mesmo dia, com quatro irmãs. Anos mais tarde, em 2005, e quando ainda só tinha 49 anos, voltou a surpreender quando anunciou que iria abdicar do trono a favor do seu filho mais velho. Declarou igualmente que iria conduzir o país a uma monarquia constitucional. Março foi o mês das eleições para a Assembleia Nacional, cujos candidatos tinham obrigatoriamente de possuir uma licenciatura.
Em breve, haverá uma outra consulta popular de natureza distinta. É o povo (e o pai monarca) que irá decidir o futuro do actual namoro do jovem rei. Não consta que a candidata a rainha venha acompanhada de irmãs.
Houve, no entanto, um preço a pagar pela entrada da modernização. O quarto monarca, para abater no custo, implementou várias medidas para preservar a identidade e cultura nacionais. Algumas são aplicadas à arquitectura, definindo, por exemplo, a posição e a composição das janelas das casas.
A obrigatoriedade de uso do fato típico e da língua nacional nas escolas, imposta na década de 1980, chocou com a população do Sul do Butão, maioritariamente hindus de ascendência nepalesa. Actualmente, mais de 100 mil pessoas que há décadas viviam no Sul foram deslocadas para campos de refugiados instalados no Nepal. A ausência de documentos não permite definir a identidade desses refugiados e, talvez por isso, nem o Butão nem o Nepal estão dispostos a recebê-los.
O reino dos Himalaias também se protegeu do exterior, abrindo muito timidamente as portas ao turismo. Em 1974, entraram os primeiros turistas ocidentais. No início dos anos 90, já com a Druk Air a voar entre Índia e Butão, entravam só cerca de três mil pessoas por ano. Actualmente, a cobrar um visto diário de cerca de 200 dólares americanos, o Butão já não limita o número de entradas anuais. O custo dos vistos já faz sozinho esse trabalho de funil, condicionando o volume de visitas. Em 2007, 30 mil pessoas visitaram o país.
Ainda para se prevenir dos males do mundo, o Butão proíbe a emissão de alguns canais internacionais recebidos por satélite, nomeadamente a MTV. Foi também o primeiro país do mundo a não permitir que se fume em locais públicos (e privados, sagrados, naturais, etc.) e, mais, a proibir a própria venda do tabaco.
Notas de viagem

- Os primeiros visitantes ocidentais do Butão eram portugueses. Em 1627, os dois padres jesuítas vindos de Calcutá permaneceram durante vários meses a norte de Thimphu, antes de seguirem para o Tibete.

- Não atiram sobre animais, não caçam nem os matam porque o budismo assim o dita. Mas a dieta nacional não é vegetariana. Por isso, sem quebrar as regras, os butaneses importam os animais já mortos da Índia. Como não foram eles que os mataram, comem de consciência e estômago tranquilos.

- Frequentes são as casas com pénis gigantes desenhados nas paredes exteriores. Acredita-se que os ditos protegem a família contra os maus espíritos.

- O Takin é o animal nacional, associado também à mitologia e à história religiosa próprias do Butão. Segundo os manuais, no século XV o Butão recebeu a visita de um importante Lama. Perante a insistência da multidão para a realização de um milagre, a personagem divina pediu uma vaca e um bode. Comeu-os primeiro e depois espetou a cabeça do bode na carcaça da vaca. Após ter estalado os dedos, o animal ganhou vida. Assim nasceu o primeiro Takin.

- Todos os espaços livres são pretexto para a prática do desporto nacional. Os praticantes do tiro com arco distinguem-se nas ruas pelo equipamento que usam. Os profissionais já só usam arcos importados, sendo os de madeira uma raridade nacional. Qualquer torneio, mesmo a feijões, pressupõe comida, rituais e danças de vitória ou derrota.

- Quatro dias depois de ter iniciado a peregrinação, um antigo guia terminou a última etapa em Paro. Percorreu 180 quilómetros a pé, sempre a arrastar um carrinho repleto de bandeiras de oração. Ao longo do caminho, a cada três passos, prostrava-se no chão. Para prevenir lesões, usou joelheiras e, a cobrir as palmas da mão, umas placas de madeira com rodinhas para ajudar no lançamento do corpo para o chão e para a frente.

- Nos mosteiros, às vezes tem-se algum contacto com os monges e os estudantes mais novos. Por exemplo, numa ocasião estavam descalços no pátio, ao frio, a repetir por uma eternidade danças e movimentos religiosos. Os mais pequenos brincavam com telemóveis enquanto decorriam cerimónias religiosas.
Texto e fotografias: Mariana Palavra

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