terça-feira, 1 de abril de 2008

Universidade de Macau recebe cada vez mais estudantes estrangeiros, Condutores de Macau e Hong Kong vão conduzir à direita

Universidade de Macau recebe cada vez mais estudantes estrangeiros

O peso que a cultura tem

Na Suécia, “é normal os estudantes irem estudar para o estrangeiro”. No entanto, nem todos “escolhem passar um semestre ou um ano na China”. É preciso ser-se aventureiro e ter alguma maturidade. Quem o defende é Ali Shakorian, aluno sueco da licenciatura de Comunicação Social, que veio para a RAEM fazer um semestre, num regime de intercâmbio, na Universidade de Macau (UM). O compatriota Robert Eklund escuta com atenção as palavras do colega, acenando um “sim” com a cabeça. Partilha da mesma opinião.
São mais de uma centena e meia os estudantes que todos os anos passam um período definido de tempo em Macau. É uma tradição que existe, na UM, desde 1991, revelando uma franca tendência de crescimento. Entre o número total de estudantes de intercâmbio, destacam-se os provenientes dos países ocidentais. A Europa, em primeiro lugar, e as duas Américas, em segundo, são as principais origens destes universitários, representando mais de metade do total.
Apesar de ser um ponto imperceptível a olho nu no mapa asiático, Macau capta o interesse dos estudantes que moram a milhares de quilómetros de distância, do outro lado do planeta. O que leva os jovens ocidentais a escolherem a RAEM como destino do programa de intercâmbio universitário? Serão as aspirações profissionais que falam mais alto? Ou Macau é apenas uma escolha ao acaso? Representará a UM tão só e apenas uma aventura numa cultura diferente?
“A RAEM é um local onde os estrangeiros mais facilmente se adaptam, porque os programas curriculares são todos em inglês. A par disso, sendo a China o país com o crescimento mais rápido do mundo, as áreas da Gestão e Economia da UM são atractivas, porque facilitam o estabelecimento de contactos e conhecimentos importantes para o futuro.” A opinião é do vice-reitor do estabelecimento de ensino, Rui Martins. Uma perspectiva que não é totalmente partilhada pelos estudantes. Para alguns, ainda é cedo para pensar em aspirações profissionais; para outros, Macau representa mais do que uma experiência meramente académica.
Quando chegou a hora de escolher uma universidade de acolhimento, Ali Shakorian e Robert Eklund tinham uma única certeza. “O destino do intercâmbio tinha que ser na Ásia”, contam. Japão, Coreia do Sul ou China eram os países que formavam a lista de Ali Shakorian, estudante da Universidade de Vaxjo. A China foi a decisão final do jovem de 24 anos.
“Cultura” é a palavra-chave para perceber as motivações dos estudantes da Europa do Norte. “É um país mais interessante no contexto asiático. Além disso, neste momento é o centro das atenções da comunicação social, por causa dos Jogos Olímpicos”, frisa. Macau surgiu mais tarde. Novamente, por intermédio de um amigo que já conhecia o território e a UM. “Pesquisei na Internet e achei que era uma cidade interessante, com muita história. Queria ver como era”, concluiu.
O peso do nível de ensino da instituição local e as eventuais vantagens profissionais que podem surgir após um período de estudos numa universidade situada em território chinês foram equacionadas durante a decisão? Os jovens olham um para o outro. É preciso tempo para pensar na resposta. “Não, foi mesmo pela cultura diferente”, concluem.
Já nos casos da francesa Marine Parouilleaux e do norte-americano John Steven Shofran, as motivações estão mais equilibradas. A jovem do primeiro ano da licenciatura de Relações Comerciais Internacionais de um instituto universitário de Rouen tinha vontade de conhecer uma cultura diferente e de ganhar alguns pontos para, no futuro, vencer a competitividade do mercado de trabalho na sua área. A solução encontrada foi estabelecer-se durante um ano na Ásia. “Macau está perto de Hong Kong (uma das capitais financeiras do mundo) e tem um protocolo com a minha universidade”, explica.
A situação de John Steven Shofran, estudante de Contabilidade na Universidade de Sesquahanna, nos Estados Unidos, é semelhante à da colega francesa. “Queria conhecer a cultura asiática e, ao mesmo tempo, melhorar os meus conhecimentos na área do negócio [num país com uma economia emergente como a China]. Por outro lado, as entidades empregadoras irão com certeza tomar em atenção o facto de eu ter estado a estudar na China”, acredita.
Que, no futuro, a estadia em Macau irá dar os seus frutos, a dupla sueca não tem dúvidas. Mesmo assim, a influência de um semestre na UM no currículo académico não é assim tão relevante, dizem.
“Em comparação com alguém que fez um período de estudos em França, por exemplo, acho que tenho uma vantagem sobre essa pessoa. Aqui cada dia é um desafio. Estou inserido numa cultura totalmente diferente da minha, onde pouca gente fala inglês. Mas, também acaba por não ser muito relevante no futuro profissional. Na minha área, em Economia, não penso que Macau ou a UM tenham alguma influência”, sustenta Robert Eklund.
A RAEM pode ser um bónus para quem está de entrada no mercado de trabalho, “mas apenas por estar localizada em território chinês”, acrescenta. “Mais forte do que o nome da universidade ou o local é o facto de aparecer China no fim”, observa, por sua vez, Ali Shakorian.
A Faculdade de Gestão de Empresas foi, há 11 anos, a instituição pioneira na iniciativa de receber estudantes num regime de intercâmbio. Hoje, as faculdades de Ciências Sociais e Humanas e de Ciências e Tecnologia também recebem alunos ao abrigo deste género de programas, embora em menor escala.
De acordo com dados disponibilizados pelo Gabinete de Relações Públicas da UM, no primeiro semestre, o estabelecimento de ensino acolheu 73 jovens universitários estrangeiros. Já no segundo semestre, foram 53.
A média anual é de cerca de 150 jovens. Todavia, desde 1991, o número tem vindo a crescer, com várias universidades a juntarem-se ao programa ou a solicitar um aumento de vagas. Calcula-se que já tenham passado pela UM mais de dois mil estudantes estrangeiros.

Estudantes de Macau são “mais conservadores”, defende Rui Martins

Se, por um lado, a Universidade de Macau (UM) recebe cada vez mais estudantes estrangeiros ao abrigo de programas de intercâmbio, por outro, os universitários da RAEM parecem pouco interessados em aventuras fora de portas. A análise é feita pelo vice-reitor do estabelecimento de ensino, Rui Martins.
Anualmente, a UM recebe cerca de 150 jovens estrangeiros nas suas instalações. A iniciativa funciona numa lógica de troca. A instituição de ensino superior local acolhe um grupo de estudantes que vem ocupar o lugar dos congéneres locais que, supostamente, também partem para o exterior.
No entanto, segundo Rui Martins, o programa de intercâmbio não é tão bem recebido pela comunidade discente local. É uma questão cultural, diz. “Não são tantos [os alunos locais que partem para outros países durante um semestre ou um ano]. Os nossos estudantes são mais conservadores e não aproveitam tanto as oportunidades”, aponta.
Estudos Ingleses, Estudos Portugueses e Chineses são as licenciaturas que têm mais alunos a partir para o estrangeiro. Em grande parte porque os próprios programas curriculares dão a oportunidade de completar um período de estudos fora de casa.
É o caso do curso em Língua e Cultura Portuguesas, que oferece aos estudantes a possibilidade de viajarem até Lisboa no terceiro ano. Há ainda as licenciaturas de Engenharia, que facultam estágios no exterior para os finalistas.
“Estas iniciativas são muito importantes, porque possibilitam aos alunos terem conhecimento da realidade das outras instituições europeias, bem como de desfrutarem de um intercâmbio cultural”, defende Rui Martins.
Alexandra Lages
Fotografia: Carmo Correia

Condutores de Macau e Hong Kong vão conduzir à direita

Tudo ao contrário em 2010

O trânsito das duas regiões administrativas especiais vai sofrer alterações em 2010. Devido à construção da ponte entre Hong Kong, Macau e Zhuhai, os condutores dos dois territórios vão ter que passar a circular na faixa da direita, ao contrário do que actualmente acontece.
A medida foi divulgada ontem por Chan Tai Man, um dos responsáveis do gabinete de Hong Kong que está a coordenar o projecto de construção da travessia, à margem de um colóquio sobre trânsito rodoviário que decorreu na antiga colónia britânica.
Segundo Chan, a imposição das novas regras de condução deverá acontecer em 2010, logo no primeiro trimestre do ano, mas as autoridades chinesas ainda não definiram uma data concreta. A razão da modificação fulcral prende-se com o facto de, na China Continental, os veículos circularem pela faixa direita.
“Com a harmonização do trânsito pretende-se evitar problemas nos acessos. Além disso, será uma forma de garantir a segurança na ponte. Uma vez que as duas regiões administrativas especiais e o Continente vão estar ligados, convém que os hábitos de condução sejam os mesmos”, defendeu o responsável.
Chan Tai Man admite, contudo, que esta medida poderá causar as reticências entre a população de Hong Kong, que está habituada a conduzir na faixa da esquerda. “Presumo que em Macau a mesma questão se coloque. No entanto, aqui será mais difícil o processo de adaptação, porque temos muitos mais habitantes. Mas trata-se de uma questão de hábito.”
A mudança de regras, que foi decidida recentemente pelas autoridades das duas regiões administrativas especiais em conjunto com a Administração Estatal do Trânsito da China, vai ter ainda repercussões ao nível das estruturas rodoviárias. “Vai ser preciso alterar muita sinalização e fazer novas marcações nas faixas de rodagem. O trabalho exige uma planificação ponderada, para que depois possa ser facilmente executado e se evitem acidentes devido à sinalização incorrecta das artérias”, comentou Chan, que explicou ainda não terem sido feitos cálculos em relação ao orçamento necessário para as obras de modificação.
Mal haja uma data precisa para a entrada em vigor desta medida que visa a uniformização da condução em todo o país, as autoridades de Hong Kong vão começar a fazer acções de sensibilização e de promoção das novas regras de trânsito. “Será preciso trabalhar rapidamente para que todos os condutores estejam informados”, admitiu o responsável da antiga colónia britânica.
O trânsito de cerca de um quarto dos países e territórios do mundo faz-se pela esquerda. A razão é simples e de ordem histórica: ainda antes de aparecerem os veículos motorizados, a circulação a cavalo fazia-se pelo lado esquerdo dos caminhos. Como as viagens era perigosas e os cavaleiros frequentemente atacados durante o percurso, era mais fácil, andando à esquerda, desembainhar as espadas, uma vez que a maioria da população era destra.
Até ao princípio do século passado, eram muitos os países onde se conduzia pela esquerda. Hoje em dia, esse hábito de circulação é mantido principalmente nas antigas colónias britânicas, como é o caso de Hong Kong. Existem, no entanto, excepções, sendo o Japão e Macau disso exemplo.
Não foi, no entanto, pela proximidade territorial que Macau tem regras idênticas às do território vizinho. Em Portugal, conduzia-se à esquerda, sendo que a alteração se processou apenas na década de 1920. A mudança aconteceu no mesmo dia para o todo o país e colónias ultramarinas, à excepção dos territórios que faziam fronteira com outros onde se conduzia à esquerda, caso da China. O país só alterou as regras de circulação para a actual condução na faixa da direita em 1946.
O Tai Chung Pou tentou falar com as autoridades de Macau acerca da notícia avançada em Hong Kong, não tendo sido possível, em tempo útil, obter qualquer esclarecimento.
Kahon Chan, em Hong Kong
com Isabel Castro

Analista defende estratégia concertada para Macau e Hong Kong

“O Executivo de Hong Kong deveria entrar em contacto com as autoridades de Macau e estabelecer uma parceira que permitisse lançar uma operação de promoção em Taiwan, nas áreas de negócios, finanças e turismo, de modo a garantirem uma nova posição no contexto das relações entre os dois lados do Estreito.” Esta é a opinião de James Sung, um analista político de Hong Kong, docente da City University.
A definição de uma estratégia concertada é, para Sung, a melhor forma de contornar os mais que previsíveis prejuízos iniciais que as anunciadas ligações directas entre Taiwan e a China acarretarão. O académico entende que, no que à antiga colónia britânica diz respeito, as contas que têm vindo a ser feitas nas duas últimas semanas ficam bastante aquém do que a realidade irá mostrar.
A mudança da presidência de Taiwan e o regresso do Kuomitang ao poder irão ter um impacto efectivamente negativo, sustenta. Para dar a volta ao texto, é preciso agir, sendo conveniente que Hong Kong não meta mãos à obra sozinho, mas sim com Macau.
Tanto o Governo da RAEHK como o principal responsável pelo Partido Liberal, James Tien, explicaram, em declarações à imprensa, que cerca de 30 por cento dos taiwaneses em trânsito para a China permanecem alguns dias na região administrativa especial, com uma despesa média de cinco mil dólares de Hong Kong por viagem. Isto representa, por ano, quatro mil milhões de dólares.
James Sung entende que as autoridades de Hong Kong devem pôr já em marcha um plano para fazer frente à “dramática e inevitável” descida das receitas. Ouvindo os discursos que têm sido feitos, o analista chega à conclusão de que o Governo fez pouco trabalho de pesquisa sobre o impacto das ligações. “Mas ainda há esperança para Hong Kong e Macau”, ressalva, até porque os planos do recém-eleito Ma Ying-jeou não deixam as duas regiões administrativas especiais de fora. Tudo depende, conclui, da capacidade de cooperação que os territórios vizinhos tiverem.
Recorde-se que, no passado domingo, o primeiro-ministro chinês Wen Jiabao fez uma oferta de paz a Taiwan, afirmando que Pequim está disponível para discutir os transportes directos entre o Continente e a ilha, ao abrigo do princípio “uma só China”.
“Tendo em conta o consenso alcançado em 1992, podemos reavivar as discussões e as negociações. Podemos falar de qualquer assunto , incluindo a materialização das três ligações”, disse Wen Jiabao, em declarações aos jornalistas, à margem de um encontro sobre questões ambientais que manteve no Laos, onde se encontrava em visita oficial.
Alguns analistas acreditam que, depois de mais de meio século de hostilidade e da recente tensão criada com o referendo sobre a entrada de Taiwan nas Nações Unidas, a conflituosa relação com Pequim e Taipé poderá estar perto do fim, para se dar início a uma nova forma de relacionamento.
Segundo as agências internacionais de notícias, Wen desenhou um quadro que pode ir além das “três ligações”. “Podemos desenvolver a economia, os negócios e o intercâmbio cultural”, disse, acrescentando que Hong Kong, que tem beneficiado no papel de intermediário entre os dois lados do Estreito, não irá sofrer consequências negativas se esta aproximação se verificar.
“Não me parece que vá afectar Hong Kong. As trocas económicas através do Estreito irão permitir também o desenvolvimento económico de Hong Kong, bem como em toda a região ao longo do Estreito de Taiwan.”

Os 120 anos do Templo de Nuwa em Macau

A deusa que criou a Humanidade

Ao passear pela rua empedrada de S. Paulo, um dos poucos antigos edifícios que ainda restam, caiado de amarelo, chama a nossa atenção. Mas sem capacidade de saber o que os caracteres inscritos sobre a porta dizem, não suspeitamos ali estar um templo. Apenas em frente da porta, sobre uma tosca mesa, a imagem em porcelana branca da deusa Kun Iam e um pequeno incensório de pedra.
Alguns anos passaram e quando um dia por ali andamos, vendo as portas abertas, resolvemos entrar. Dentro, o espaço é exíguo, encontrando-se apenas um altar encostado a uma parede de madeira, o que por si só não revela estarmos no interior de um templo. O altar está repleto de um sem número de deuses representados em estátuas e, no meio delas encontra-se emoldurado um papel vermelho com caracteres dourados.
Sobre uma mesa, um fato de papel de cor azul ultramarino com dourados e prateados vai sendo confeccionado por um robusto vulto masculino.
Voltamos a entrar no edifício quando nos traduziram os caracteres e então ficamos a saber tratar-se de um templo em honra da divindade Nuwa (Nugua), a criadora da Humanidade e que separou o Céu da Terra.
O templo tem precisamente 120 anos já que, como se pode ler nos pequenos caracteres, gravados no lado direito da parte de fora da porta, ele foi feito no ano do Rato, décimo terceiro ano do reinado do imperador Guangxu da dinastia Qing, logo no ano de 1888. Encontra-se situado na rua das Estalagens, mas nos caracteres chineses a tradução é rua Molhos de Palha e toca lateralmente na rua de S. Paulo.
Foi mandado construir pelas mulheres da noite que na zona trabalhavam e por aí tinham a sua alcova, como nos conta o senhor Cham Kan Chok, que há 25 anos toma conta do templo. Apontando para os dois retratos na parede, refere-se ao casal que durante muitos anos tomou conta do templo. Depois, quando o marido passou para outra vida, a idosa senhora deixou de cuidar do templo e este esteve abandonado por uns tempos.
O senhor Cham, que morava nas redondezas, um dia sonhou que o templo tinha ruído. No dia seguinte, ao olhar pela janela, vê que nada tinha acontecido. Mesmo assim vai contando o seu sonho aos vizinhos, que resolvem vistoriar o templo. Este, no seu interior, estava muito degradado e, após subirem as escadas de madeira com grandes cautelas, pois encontravam-se muito carcomidas, ao chegarem ao primeiro andar, aí vêem a parede interior toda no chão, comida pela formiga branca. Foi então que os moradores da zona se reuniram e resolveram arranjar o templo de Nuwa. Pediram ao senhor Cham que ficasse à frente do templo e escreveram uma carta ao Leal Senado requerendo um subsídio para se realizarem obras no seu interior. Sem nunca obter resposta, o senhor Cham tomou por sua conta os arranjos do templo, ajudado pelo contributo dos seus filhos e outros moradores.
Como não há papéis e não pode provar que o lugar é dele, queixa-se de alguns vizinhos que usam o espaço do exíguo templo para guardar todo o tipo de lixo mas, sem as escrituras do edifício, nada pode fazer. O que mais lhe interessa agora é conseguir uma mesa de pedra para substituir a que, sem qualquer dignidade, à porta do templo se encontra e onde está a imagem de Kun Iam.
Já com a Administração chinesa volta o senhor Cham a pedir um subsídio para obras, mas a resposta diz que, como não existe uma associação, não lhes pode ser atribuída nenhuma verba.
Passamos por uma porta redonda que dá para as escadas de cimento e nos leva ao primeiro andar. Enquanto as subimos, fala-nos de um incêndio que ocorreu há 100 anos e danificou bastante o templo, ficando por isso com o tamanho mais reduzido.
Chegados a uma sala mais ampla, um grande altar recheado de deuses domina o espaço. As paredes estão repletas com imagens de deuses, assim como se encontram pelo chão também apinhado. O panteão da religião popular chinesa é muito grande e ali estão muitos dos seus deuses que, em conjunto com outras personagens, enchem outros pequenos altares. Das peças mais antigas, uma encontra-se ao lado do altar principal e é o retrato do imperador Guangxu e a outra, colocada na mesa de oferendas à frente ao altar, é o incensório que, gravado no cobre, tem o registo da data do templo. Também a folha vermelha, que representa Nuwa pelos caracteres e se encontra no altar da sala do rés-do-chão, provém do tempo do casal que, anterior a ele (senhor Cham), tomou conta do templo. Lamenta ainda a falta de dinheiro para obras e diz nada receber pelo trabalho que faz, confessando que a venda do incenso não chega para os gastos com o templo.
Apontando para a vitrina do altar mostra-nos as duas imagens de Nuwa aí existentes. A imagem da direita é uma escultura dourada de Nuwa, com os lábios pintados de vermelho e cabelo preto, sentada numa cadeira. A outra é feita de barro, onde Nuwa, com um corpete cor-de-rosa e vestido verde, se encontra representada suspensa no ar, numa atitude de esforço, a segurar uma pedra estranha devido à cor.
Há uma dezena de anos, um grupo de Hong Kong ofereceu uma pedra vinda do espaço, comprada na Austrália. Entregaram-na a um artista que com ela concebeu uma estátua à deusa Nuwa, representando-a a reparar o Céu após a calamidade provocada pela desarmonia entre dois deuses que, lutando entre si, procuravam ver qual deles era superior.
A história conta que o Céu tinha sido fendido após uma luta entre os deuses Gonggong e Zhurongo, para ver quem tinha mais força. O deus Gonggong, tendo saído derrotado, resolveu suicidar-se atirando-se contra uma das montanhas que sustentavam o Céu, danificando gravemente o pilar Noroeste.
Nuwa usou as quatro pernas de uma tartaruga que, para além de ser um animal espiritual, é símbolo da longevidade e oculta os segredos do Universo, e colocou-as em cada um dos pontos cardeais como apoio suplementar ao Céu. Tendo consolidado assim o Céu, dedicou-se Nuwa depois a tapar o buraco do firmamento, colocando uma massa aglutinadora misturada com seixos. E é uma dessas pedras que agora dentro da vitrina se encontra a ser transportada por Nuwa. Apesar desta deusa ser descrita como metade humana e do tronco para baixo com a forma de dragão, ambas as imagens de Nuwa aqui apresentadas têm pernas e pés.
Este ano, o templo dedicado a Nuwa completa dois ciclos de 60 anos de existência, como lembra o senhor Cham Kan Chok e por isso deveria merecer a atenção dos governantes já que, mais não fosse, encontra-se inserido no circuito do Património Mundial.
José Simões Morais
Artista plástico, estudioso de Questões Civilizacionais

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