segunda-feira, 21 de abril de 2008

João Miguel Barros apresenta queixa-crime contra o CCAC, Proposta de lei sobre idade de imputabilidade penal deverá estar pronta em Maio

João Miguel Barros apresenta queixa-crime contra o CCAC

Os segredos que a justiça não guarda

É mais uma queixa-crime contra o Comissariado Contra a Corrupção (CCAC) por violação do segredo de justiça, que tem novamente origem nas práticas do órgão criminal nos processos relacionados com o caso Ao Man Long. O advogado João Miguel Barros considera “censurável” a forma como o CCAC agiu no anúncio público dos novos processos com ligações ao do ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas.
Em nota enviada à imprensa, o causídico revelou ontem ter apresentado uma queixa-crime no Ministério Público (MP) por violação do segredo de justiça. “Enquanto advogado, obrigado estatutariamente a não abdicar da defesa de direitos fundamentais, sinto o dever inalienável de lutar contra essas práticas e de as denunciar publicamente. O silêncio seria uma forma de contribuir para o empobrecimento do sistema de justiça da RAEM”, justifica João Miguel Barros.
Na segunda-feira da passada semana, o Comissariado Contra a Corrupção anunciou publicamente a conclusão de três novos processos relacionados com o caso Ao Man Long, tendo tornado público o seu envio para o MP. Recordando que o fez através do site, onde publicou um comunicado sobre o assunto, o advogado aponta o dedo ao facto de o CCAC ter revelado “com detalhe os nomes das pessoas investigadas e elementos relevantes do processo em investigação que estão em segredo de justiça”.
Para João Miguel Barros, defensor do empresário Pedro Chiang, esta iniciativa do CCAC vem confirmar a estratégia que adoptou desde o início do processo do ex-governante: “Por um lado, autopromover-se junto da sociedade civil, evidenciando o seu trabalho; por outro, lançar a suspeição generalizada sobre as pessoas investigadas, promovendo o seu julgamento antecipado junto da opinião pública, através dos órgãos de comunicação social.” O advogado não hesita em acusar o CCAC de, com este comportamento, se estar a colocar, de novo, “à margem da lei, ao violar o segredo de justiça a que está vinculado, razão bastante para que esse comportamento seja de novo denunciado junto do Ministério Público e da sociedade civil”.
Na nota enviada à imprensa, o advogado vinca que “o CCAC, como órgão de polícia criminal, está sujeito ao rigoroso cumprimento do princípio da legalidade”, pelo que “deve agir no mais escrupuloso respeito dos direitos de todas as pessoas envolvidas, que devem ser consideradas inocentes até serem condenadas e sentenciadas judicialmente”. Acrescenta também que o órgão liderado por Cheong U não pode ignorar as razões para a imposição do segredo de justiça a que está vinculado e, entre elas, “está o intento da salvaguarda da dignidade da magistratura, que se quer objectiva e livre das pressões da opinião pública ou quaisquer outras, sejam de natureza cívica ou política”.
Recorde-se que, já no passado mês de Dezembro, João Miguel Barros solicitou à Assembleia Legislativa, ao abrigo do direito de petição, que se pronunciasse sobre a constitucionalidade da Lei 10/2000, que estabelece um regime de excepção a favor do CCAC, relativamente à regra geral que está consagrada no Código de Processo Penal, e que permite ao organismo não estar sujeito a nenhum prazo para concluir as investigações.
Para o advogado, esta excepção permitida por lei afronta princípios constantes da Lei Básica e do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, em vigor em Macau. Recordando que o CCAC é uma entidade de polícia criminal, não podendo ser equiparada a autoridade judiciária (como o MP) e que, no início ou no decurso dos inquéritos abertos pelo CCAC os investigados podem ser constituídos arguidos, João Miguel Barros sublinhou que “a constituição de arguido acarreta normalmente a aplicação de medidas restritivas da liberdade individual ou de medidas especialmente gravosas em termos patrimoniais”. Esta petição está a ser analisada pela Assembleia Legislativa, sendo que tudo leva a crer que se opte pelo fim do regime de excepção.

Queixa à espera

O Comissariado ter vindo, ao longo dos últimos tempos, a investigar “factos criminais com inegáveis contornos públicos”, que podem “colocar em causa o sistema político de Macau e afectar o normal funcionamento das instituições”, considera João Miguel Barros na nota enviada ontem à imprensa. “O CCAC deve, por isso, ter um especial dever de rigor e de cuidado na sua gestão, deve garantir o respeito dos direitos fundamentais dos suspeitos, tal como consagrado na Lei Básica e na Legislação Processual Penal, e considerar as responsabilidades efectivas de todas as pessoas e partes envolvidas”, reitera.
Nesse aspecto concreto, ressalva João Miguel Barros, a actuação do Comissariado “tem sido totalmente diferente daquela que tem tido o Ministério Público, a única entidade na RAEM com o poder de conduzir a acção penal, que tem mostrado reserva” sobre aos casos que investiga ou sobre as acusações que promove.
Mas a conduta do MP também merece críticas de João Miguel Barros, que recorda que, em Maio do ano passado, Leong Lai Heng, constituída arguida num dos processos sob investigação, “sem nunca lhe terem sido comunicados os factos de que era suspeita”, apresentou uma queixa-crime contra o CCAC por violação do segredo de justiça. Acontece que, conta o advogado, só em Setembro último é que o MP abriu o processo, “desrespeitando o dever legal que o obrigava a iniciar imediatamente as investigações para averiguar os factos participados, em especial tratando-se de crimes públicos”. Resultado? “Desde Novembro que aparentemente o processo não avança, tendo voltado a cair num impasse, não obstante os diversos pedidos de informação apresentados, que não obtêm resposta.” Por isso, conclui, “não deixa de ser preocupante que, um ano depois de entregue a queixa, o processo não tenha tido qualquer desenvolvimento significativo, em especial no momento em que é apresentada uma nova queixa de violação de segredo de justiça, também por factos praticados por funcionários do CCAC”.
Isabel Castro

Conselho Executivo confirma subsídio para combate à inflação

Um subsídio aos trabalhadores cujo rendimento mensal é inferior a quatro mil patacas será atribuído pelo Governo, enquadrando-se nessa categoria perto de “16 mil pessoas”. Foi esta a medida, que já tinha sido anunciada, mas que agora foi confirmada mediante a criação de um regulamento administrativo, apresentada pelo presidente do Conselho Executivo, Tong Chi Kin. Uma medida que surge, nas suas próprias palavras, “para atenuar a pressão causada pela subida dos preços dos produtos”.
Para poder auferir deste apoio mensal, basta preencher alguns requisitos: trabalhar a tempo inteiro completando, trimestralmente, 456 horas; estar inscrito no Fundo de Segurança Social; ser residente permanente; ter pelo menos 40 anos; e receber de três em três meses menos de 12 mil patacas. Cumprindo tais condições, então o trabalhador “já pode receber subsídio para aliviar a pressão na vida”, afirmou Tong Chi Kin.
Este apoio corresponde “à diferença entre o montante do seu vencimento e o limite máximo [quatro mil patacas] do apoio que vamos atribuir”. Um apoio “pago trimestralmente em quatro prestações” durante um ano. Quanto ao limite etário mínimo de 40 anos, Tong Chi Kin também explicou. “Tratam-se dos trabalhadores por conta de outrem que recebem menos de quatro mil patacas por mês e têm um grau de instrução cultural mais baixo.” O montante do subsídio refere-se ao “rendimento total do trabalhador, independentemente do número de empregadores que tem”.
Para requerer tal apoio pela primeira vez, o pedido deve ser apresentado até ao final de Maio à Direcção dos Serviços de Economia e Finanças, enquanto os respeitantes ao segundo, terceiro e quarto trimestres devem ser requeridos até ao final de Julho, Outubro e Janeiro de 2009, respectivamente. As medidas entram em vigor, com efeitos retroactivos, desde Janeiro de 2008, sendo o dinheiro directamente transferido para a conta do trabalhador.
O diploma proposto pelo Governo prevê ainda uma cláusula, que estipula que “a entidade patronal não pode reduzir os rendimentos do trabalhador, ainda que este receba um subsídio”. E, por outro lado, quaisquer declarações falsas ou inverosímeis por parte do trabalhador serão alvo “de assumpção de responsabilidade penal”.
Quanto a mais detalhes, Tong Chi Kin apenas afirmou que a Direcção dos Serviços de Economia e Finanças deverá “apresentar o processo de atribuição do subsídio, sobretudo no que toca às formalidades e aos impressos”.
O presidente do Conselho Executivo apresentou ainda um segundo diploma, que vem regular a emissão de declarações electrónicas entregues à Direcção dos Serviços de Economia e Finanças. Numa primeira fase, a prioridade será a “aplicação deste regulamento à área fiscal, porque este é o meio mais importante no que diz respeito à comunicação entre a população e o Governo”. Mas, mais tarde, estender-se-á a áreas como a da Contabilidade Pública e Gestão Patrimonial.
Contendo disposições sobre a forma e as condições de acesso, modalidades de envio, procedimento, consulta, anulação e alteração, além da preservação e segurança de dados, o diploma vem definir que “as declarações electrónicas enviadas e processadas nos termos deste regulamento têm o mesmo valor e o mesmo efeito das declarações em papel”. O diploma inclui ainda uma disposição que define “que algumas entidades precisam de utilizar o sistema de assinatura electrónica qualificada nas declarações electrónicas”. Finalmente, concluiu Tong Chi Kin, quaisquer “dúvidas de aplicação deste regulamento administrativo serão resolvidas mediante despacho do secretário para a Economia e Finanças, a publicar em Boletim Oficial”.
Luciana Leitão

Proposta de lei sobre idade de imputabilidade penal deverá estar pronta em Maio

Incendiários e traficantes também serão punidos

A prática de incêndios ou explosões – vulgarmente conhecido por “fogo posto” -, e o tráfico de droga também farão parte do rol de crimes de “extrema gravidade” que resultarão para o jovem de 14 anos numa responsabilização penal. Dois crimes que foram acrescentados a uma lista já submetida a discussão pública pela Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça que incluía nesta categoria o homicídio, as ofensas graves à integridade física e a violação. E que irão constar da proposta de lei do Governo que deverá estar concluída já no próximo mês, conforme adiantou André Cheong.
Novidades anunciadas na passada sexta-feira pelo director dos Serviços de Assuntos de Justiça, na sequência da conclusão do período de consulta pública da proposta de redução da idade de imputabilidade penal dos 16 para os 14 anos. Entre inquéritos telefónicos, sessões de discussão, e recolha de pareceres de académicos, chegou-se à conclusão de que o fogo posto e o tráfico de droga deveriam também ser incluídos na lista dos chamados “crimes de extrema gravidade”. Crimes que, de acordo com as conclusões apresentadas à imprensa, “prejudicam o ofendido, mas também a sociedade em geral”.
“Na verdade, especialmente na sociedade chinesa, a cada pessoa, desde pequena, foi incutido o conceito de que o homicídio e o fogo posto seriam actos graves que violam os princípios morais e imperdoáveis. Os jovens que tenham completado 14 anos já conhecem a natureza e as consequências do acto e têm capacidade para fazer um juízo correcto”, lê-se no documento distribuído à imprensa. Com base nestas premissas, o Governo decidiu então incluir “os incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas nos crimes de extrema gravidade”.
Quanto ao tráfico de droga, sendo uma questão “permanente e complexa da sociedade contemporânea” e, dada a “nocividade social”, se “não se reprimir, o fenómeno de consumo irá propagar-se aceleradamente, prejudicando gravemente o estado físico e psicológico dos consumidores, e até causando morte, em casos graves”. E porque se entende que “os próprios jovens já têm conhecimento sobre a natureza e as consequências das actividades de tráfico de droga”, o Governo decidiu também enquadrá-lo na categoria de crimes de “extrema gravidade”.
De acordo com André Cheong, as conclusões apresentadas resultam de um longo período de intensa investigação, que se baseou na análise do direito comparado, nos pareceres de peritos, nas opiniões de indivíduos, associações e instituições, além de dados estatísticos. Referindo que, entre 1998 e 2007, foram praticados, por jovens dos 14 aos 16 anos, 72 crimes de “extrema gravidade”, André Cheong não deixa, contudo, de afirmar que não se trata de um número alto. Tendo realçado que foram vários os factores ponderados, o director dos Serviços de Assuntos de Justiça afirmou que, “na decisão, o juiz vai considerar atenuantes especiais”. E vincou que “o objectivo máximo [desta proposta] é favorecer a reinserção social”. Referindo-se ao facto de que a inclusão do “fogo posto” e do tráfico de droga na lista dos crimes de “extrema gravidade” se deu por tal ter sido requerido por muitos dos inquiridos, André Cheong explicou que “são os que mais causam preocupação no meio social”. Na generalidade, os inquiridos defenderam que “os jovens, aos 14 anos, já têm uma mentalidade madura”.
Por seu turno, os peritos contactados afirmaram que “o mais importante não é a redução, mas que esta seja acompanhada de medidas complementares”. Por isso, o Governo deverá propor que “os jovens reclusos com idade inferior a 18 anos sejam internados separadamente dos reclusos adultos e estejam sujeitos ao ensino obrigatório”.
Outro dos pontos focados na consulta pública passa pela redução do período mínimo para que se possa requerer a liberdade condicional. “Se tiver sido condenado a nove anos de prisão, segundo o regime actual, cumpridos seis anos pode pedir liberdade condicional. Mas, de acordo com a proposta, passados quatro anos já a pode requerer”, exemplificou. Tudo para que “possa reinserir-se mais facilmente na sociedade”.
Outro dos pontos focados por alguns dos inquiridos passava pela possibilidade de algumas penas serem reduzidas. “Nos termos do Código Penal, se o agente não tiver completado 18 anos no momento da prática do facto ilícito, a pena a ele aplicada pode ser especialmente atenuada. Sugere-se que esta norma também seja aplicada aos jovens que tenham completado 14 anos mas não tenham perfeito os 16 anos de idade”, lê-se no documento distribuído à imprensa.
Chega assim ao fim um longo processo de preparação de um diploma que se espera que esteja terminado já no próximo mês.
Luciana Leitão

A sala e o cinema

Queria esta semana escrever sobre o ver cinema, de uma forma que o ver cinema já não é entendido.
Queria falar do ver cinema como o era há dez anos, quem sabe mesmo há cinco. Via-se cinema numa sala, muitas vezes, para meu desgosto, apinhada de gente, onde nos tínhamos de sentar na última, ou então pior, na primeira fila.
Não vou ver um filme a uma sala comercial que esteja mais ou menos cheia à mais de cinco anos. Claro que para isto contribui uma certa protecção, não vejo muitos blockbusters, muito menos em salas de cinema, e costumo ir às salas em dias e horas com menos gente, mas a ideia mantém-se, há muito menos gente nos cinemas, a ir às salas de cinemas.
Mas ver um filme numa sala de cinema é algo incomparável ao vê-lo numa televisão. Há uma “magia” associada à ida ao cinema, sempre com implicações à volta. O próprio ir ao cinema, a maior parte das vezes não significa apenas ir ao cinema. Às vezes janta-se primeiro ou depois, muitas vezes vai-se beber um copo a seguir, fala-se do filme, por vezes discute-se seriamente… chega-se aos gritos.
Não posso deixar de dizer que há coisas que não se compram, são-nos oferecidas, a maior parte das vezes pelo destino. O meu primeiro filme em sala de que me lembro vivamente, tinha seis anos, foi quando o meu pai me levou à cinemateca ver “O Facho e a Flecha”. Não mais me esqueci do filme, nem da emoção de ouvir os diálogos traduzidos pelo meu pai, a viva voz, para mim, para a minha irmã e para quem mais estivesse na sala. Hoje é com irritação que ouço sequer um sussurro dentro de uma sala de cinema. Não posso descrever as semanas de claustrofóbico anseio pela estreia de Batman, nem o quão desapontado fiquei quando a sala (num supermercado em Alcântara, Lisboa) estava esgotada por três dias. A ida ao cinema passou de um ritual para uma diversão para um ritual novamente. Estar numa sala de cinema e pensar que vou ver um bom filme tem para mim, para lá de um incrível poder de concentração, um… não o consigo descrever de outra maneira, é o mais perto de estar num templo religioso, fosse a minha fé dada a religiões. Digo desde já que não o é, mas talvez haja por aqui a oportunidade de escrever sobre filmes “religiosos”.
Mas antes, esperando que leiam estas linhas não como crítica mas como sugestão, gostava mesmo de conseguir passar um pouco desta magia aos mais novos, que contudo, devem ser hoje, em Macau, dos poucos que vão ao cinema.
(Uma boa experiência é ir à sala improvisada no Albergue da Santa Casa da Misericórdia pela Casa de Portugal em Macau, com um festival de cinema, às quartas e sábados, às 21 horas).

Into the Wild

Nesta segunda semana que atento contra a vida sem cinema (e sem cinema significa também sem ver filmes em salas de cinema), tentarei escrever sobre um filme que vi em DVD. Poderia ver numa sala de Macau? Talvez seja injusto dizer que não, mas o mais certo é mesmo o facto de nunca ter passado por aqui em sala.
Vem-me à cabeça o festival de cinema de Macau e o realizador Peter Greenway. “O cinema morreu”, vai dizendo por onde passa. O cinema não morreu de facto, mas vai morrendo aos poucos, e o dia chegará em que morrerá de facto (boa questão para falar para a semana). O que não morreu, nem morrerá, são os filmes. Vem-me isto à cabeça por falar num filme que não é uma obra prima, mas tem algo de especial. Nele nada é excepcional, uma boa realização, belíssimas interpretações, música sofrível e (quanto a mim) muito mal escolhida. “Into the Wild” ou na sua aberrante nomenclatura em português, “O Lado Selvagem” (numa era de estrangeirismos por tudo e por nada, às vezes, é preciso chamar as coisas pelos nomes, neste caso, o nome inglês). Aqui destaca-se a estória, mas esta já tratada diversas vezes, com finais semelhantes, por vários filmes. Lembro-me do filme de Dennis Hopper, Easy Ryder, em que a tentativa de viver livremente esbarra no Homem. Aqui esbarra na falta dele, esbarra directamente na Natureza.
Fui para a floresta viver de livre vontade, para sugar o tutano da vida. Para, quando morrer, não descobrir que não vivi. (Henry David Thoreau)
Sean Penn. Claro que à partida o nome se reconhece, é do actor. Neste caso é do realizador que falo. Sean Penn tem tido uma carreira menos visível, mas profícua quanto baste no campo da realização. Já fez uma mão cheia de longas metragens, mais vídeos musicais e uma parte do filme mosaico sobre o 9/11.
“Into the Wild” podia e devia ser uma obra maior da cinematografia americana deste ano. Estreou em Setembro nos Estados Unidos, a tempo das nomeações para os Óscares, mas só conseguiu duas (num ano de fortes nomeações).
Mas não é de prémios que quero falar… O projecto de Sean Penn nasceu depois de ler o livro de Jonh Krakauer sobre a estória de Chris McCandless. Essa estória conta a forma como um aluno acabado de se graduar numa universidade doa todo o seu dinheiro para caridade e parte numa viagem em busca de um maior sentido de plenitude e comunhão com a vida. O livro e filme levam-nos pelo seu percurso, pelos seus encontros, durante os muitos meses da viagem, até ao seu fim, quando se isola no Alaska, onde acaba por morrer. Isto sustentado em razões fundamentadas, sem os levianíssimos argumentos do costume. McCandless sustenta-se a si próprio por um amor à vida e à natureza profundamente enraizados.
A ideia original de Penn passava por ser Leonardo di Caprio a fazer de Chris McCandless. Passaram dez anos até conseguir os fundos para fazer o filme, e quem faz de McCandless é um jovem desconhecido, Emile Hirsch, que se vai confundindo com o próprio McCandless.
O filme leva-nos a uma viagem pela América povoada de comunidades estranhas entre si. Leva-nos por paisagens magistrais, por um caminho que vai da comunidade ao individuo. McCandless vai-se libertando do factor humano durante o filme, até ficar só, talvez no mais belo plano do filme, enquanto deixa o seu último “amigo” (Hal Holbrook no papel que lhe valeu a nomeação para o Óscar).
A viagem de Hirsch/McCandless está dividida em quatro capítulos, em que a sua situação final se vai delineando, numa narrativa bem montada. O que estranha é que enquanto a imagética é magnífica, a música escolhida e composta originalmente para o filme por Eddie Vedder é sofrível, meramente contextualizando o que acontece, sem oferecer um pingo de contraste emocional ao que se passa (excluindo uma única música, a da cena final).
No final fica a estranha sensação de que o que Chris McCandless viveu não foi suficiente, mas poderão pessoas que morrem com 25 anos ter atingido aquilo que da vida poderiam ter extraído?
Chris McCandless foi para a floresta para não descobrir que não viveu (ou quando descobriu que não vivia), paradoxalmente, encontrou-se e morreu…
Isto é-nos dado no filme, na sua última meia hora está patente a resolução do dever cumprido, do trabalho feito, voltar à civilização e partilhar, porque nada é tão bonito visto por um só par de olhos como o é visto por dois (dizia na semana passada que uma das motivações da crítica é isto mesmo). Mas o caminho de Chris McCandless está traçado e o filme torna-se maior do que a viagem… torna-se um filme sobre a vida.
Into the Wild
Sean Penn
EUA, 2008, 148’

Luís Campos Brás,
Realizador

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