terça-feira, 8 de abril de 2008

Classe jurídica de Macau é contra a intervenção do CCAC no sector privado, Descobrir novos mundos com arte

Classe jurídica de Macau é contra a intervenção do CCAC no sector privado

Das competências à competência

O alargamento das competências do Comissariado Contra a Corrupção (CCAC) ao sector privado não é acolhido com agrado pela classe jurídica de Macau. A grande maioria dos advogados a exercer no território que aceitou o repto lançado pelo Tai Chung Pou, respondendo a um inquérito sobre a matéria, diz não concordar com as intenções do Governo de Macau em relação à intervenção deste órgão de investigação no sector privado: 79,1 por cento dos inquiridos disseram não estar de acordo, contra 20,8 por cento que se mostra favorável a esta medida, anunciada aquando da apresentação das Linhas de Acção Governativa para 2008, e cujos detalhes ainda se desconhecem.
O assunto foi debatido recentemente, por iniciativa do CCAC, que convidou especialistas de diferentes origens a pronunciarem-se sobre a matéria. Na generalidade, e embora deixando alguns alertas, esses mesmos académicos disseram ser favoráveis a uma extensão do trabalho do órgão ao sector privado. Diferente opinião parecem ter, contudo, os operadores do Direito de Macau.
“A questão tem sido mal colocada junto da opinião pública, na medida em que se tem enfatizado o aspecto das competências do CCAC (i.e., estender ou não estender) em detrimento do problema fundamental subjacente, e que é o de saber se o legislador deve ou não criminalizar determinados comportamentos nas relações privadas, que hoje em dia não são crime”, considerou um dos juristas que respondeu ao inquérito do Tai Chung Pou. “Se o legislador decidir enveredar pela criminalização, então sim, poderá pensar-se na questão da competência para a investigação do crime.”
O mesmo especialista, com vários anos de trabalho em Macau, mostrou “as maiores reservas quanto à opção de criminalização”, dizendo temer que, “mais uma vez, se esteja a copiar apressadamente do sistema legal de Hong Kong sem atentar na existência de diferenças fundamentais entre os dois sistemas”.
Quanto à criminalização mencionada por este jurista, há que provar que é necessária. “Dou um exemplo: de acordo com as intenções do CCAC seria criminalizado o comportamento do trabalhador A que, encarregado pelo patrão de adquirir determinado equipamento para a empresa B, adquirisse esse equipamento ao fornecedor que lhe oferecesse, a ele, uma ‘comissão’, e não àquele que fizesse a melhor oferta para a empresa B.” A seguir, vem a questão: “Os mecanismos do direito privado não são suficientes para resolver o problema, nomeadamente considerando que o patrão pode penalizar o trabalhador se tiver conhecimento do sucedido? É necessário o Estado, através do Direito Penal, ‘meter-se ao barulho’ e gastar recursos públicos na investigação e punição do eventual crime?”
Para este especialista, “a conduta do trabalhador do sector privado não pode ser equiparada à do funcionário público em circunstâncias semelhantes, exactamente porque este último é pago por dinheiros públicos e tem a seu cargo interesses públicos”. Deste modo, “não podem as condutas do funcionário público e do trabalhador privado ser englobadas num rótulo único de ‘corrupção’, sob pena de estarmos implicitamente a aceitar a visão totalitária e grosseira - própria dos regimes comunistas e felizmente caída em desuso - segundo a qual todos os cidadãos são, num sentido ou noutro, funcionários do Estado”.
Mesmo que se opte pela criminalização, continua o jurista, “o crime em causa não deve cair sob a alçada do CCAC”, desde logo porque a vocação do Comissariado é combater a corrupção no sector público”. O especialista recorda que “os órgãos normalmente competentes para perseguir o ilícito criminal são o Ministério Público e a PJ, sendo o CCAC uma excepção à regra”, pelo que não vê razões para alargar essa excepção que, refere, “mesmo no caso da corrupção no sector público, já é difícil de justificar”. Fica um conselho final: “É em geral péssima política, conducente ao caos e à confusão, ‘partilhar’ competências idênticas por órgãos diferentes.”
Para um outro advogado, que também aceitou o repto do Tai Chung Pou deixando comentários sobre a questão, o alargamento das competências do órgão que tem Cheong U como responsável máximo não deve acontecer “até que o CCAC demonstre ser competente e respeitador intransigente dos direitos de defesa do cidadão”.
Chegamos então à segunda questão lançada aos juristas de Macau. Sendo o CCAC um órgão que funciona, aparentemente, sem qualquer fiscalização por uma entidade independente, poderá o alargamento das competências ao sector privado colocar em causa as garantias dos cidadãos? Quase 96 por cento dos auscultados diz que sim – há um risco ao nível das garantias. Para um dos advogados inquiridos, não só “há um grande risco” como “o actual estágio de desenvolvimento de Macau, em quase todos os sectores, inclusive cívicos e culturais, não permite acalentar grandes melhorias”.
O Tai Chung Pou quis ainda saber o que pensa o círculo jurídico acerca da excepção que a Lei 10/2000 estabelece a favor do CCAC, relativamente à regra geral que está consagrada no Código de Processo Penal, e que permite ao organismo não estar sujeito a nenhum prazo para concluir uma investigação criminal. A matéria está a ser avaliada na Assembleia Legislativa, depois de o advogado João Miguel Barros ter apresentado uma petição nesse sentido, alegando a sua inconstitucionalidade. A grande maioria dos auscultados parece partilhar a leitura de Barros. Foram 91,6 por cento aqueles que disseram concordar com o fim do regime de excepção.
Criado em 1992, depois de um processo de vários anos, o CCAC - à altura da sua criação designado de Alto Comissariado Contra a Corrupção e a Ilegalidade Administrativa – teve como fonte de inspiração a entidade homóloga de Hong Kong, criada em 1975. Afirmando-se como um “órgão público e independente que tem como principal objectivo o combate à corrupção e à ilegalidade administrativa”, nasceu a pensar no sucesso da fórmula da Comissão Independente Contra a Corrupção (ICAC, na sigla inglesa).
No entanto, o órgão de Macau não parece gozar da reputação do ICAC (ver texto na página 3), pelo menos entre a classe jurídica local. Cinquenta por cento dos advogados auscultados acha que o trabalho do CCAC é “médio”, sendo que 45,8 por cento chumba o Comissariado, atribuindo “mau” como classificação. Apenas 4,1 por cento dos inquiridos entende que a prestação do Comissariado é boa. Ninguém deu um “excelente” como nota final.
O inquérito do Tai Chung Pou, feito através de correio electrónico, foi enviado a 74 licenciados em Direito a exercer em Macau, que dominam a língua portuguesa, e decorreu entre o dia 20 de Março e o passado domingo. Deste total, foram recebidos 24 inquéritos considerados válidos, representando a opinião de advogados a trabalhar nos principais escritórios da RAEM.

Houve quebra do segredo justiça no caso Ao, dizem advogados

Foi uma história que abalou Macau com força, mas que aparentemente engrandeceu o trabalho do Comissariado Contra a Corrupção, que até inscreveu o facto na história do organismo, disponível no seu site. A forma como o Grupo D do Departamento de Investigação cumpriu o seu trabalho no caso Ao Man Long mereceu, inclusivamente, a atribuição da medalha de valor pelo Chefe do Executivo. Estávamos no final de Dezembro passado, altura em que o antigo secretário para os Transportes e Obras Públicas aguardava, no Estabelecimento Prisional de Macau, a decisão judicial que o viria a condenar, sensivelmente um mês depois, a 27 anos de prisão.
Durante o processo, o CCAC foi acusado de ter quebrado o segredo de justiça. O comissário Cheong U veio recentemente dizer que não, que tudo foi feito de acordo com a lei. Certo é que, ainda o julgamento de Ao estava longe de começar, e o caso estava já dado como praticamente concluído: o Comissariado mostrou ao público as incriminadoras provas encontradas na sua residência, um entre vários factos que foram censurados por advogados locais.
Para 91,6 por cento dos juristas que responderam ao inquérito do Tai Chung Pou, houve quebra de sigilo no caso que teve como arguido o antigo governante. Os restantes 8,4 por cento optaram por não responder, dizendo não terem suficiente conhecimento do processo. Nenhum auscultado concorda, assim, com a defesa de Cheong U.
Também durante o julgamento do ex-secretário o CCAC foi alvo de críticas. O defensor de Ao tentou, sem sucesso, que o tribunal não considerasse válido o meio de obtenção da maioria das provas, uma vez que o Comissariado foi à residência do antigo governante sem o notificar para estar presente ou se fazer representar, ao contrário do que dita o Código do Processo Penal de Macau.
Contestada também foi a forma de depoimento dos inspectores do CCAC, que recorreram a meios informáticos para mostrarem ao tribunal os cálculos que fizeram para chegar à conclusão de que Ao Man Long era culpado dos crimes de corrupção passiva que lhe eram imputados. As próprias expressões utilizadas, reveladoras da convicção existente em torno da culpa do então (ainda) arguido, foram motivo de contestação no julgamento do processo 36/2007, como têm sido agora durante as audiências do caso que tem como arguidos quatro familiares do antigo secretário e três empresários de Macau.
Isabel Castro
Fotografia: António Falcão/ bloomland.net

Reputação da ICAC manchada por investigações no sector privado

No melhor pano cai a nódoa

Gozando de uma excelente reputação no combate à corrupção, a Comissão Independente Contra a Corrupção (ICAC, na sigla inglesa) revelou-se um sucesso mal foi estabelecida, no início dos anos 1970. A antiga colónia britânica era, na altura, fortemente afectada pela criminalidade ligada à corrupção. No entanto, os últimos anos têm trazido novos desafios e alguns problemas, relacionados sobretudo com as investigações feitas no sector privado.
A população de Hong Kong aumentou consideravelmente na década de 1950, com a vaga de imigração oriunda da China Continental. A economia começou a desenvolver-se, com o sector manufactureiro na origem desta expansão do território. Contudo, os recursos públicos limitados, disponibilizados na altura pela administração britânica, não foram capazes de responder às exigências da mudança radical a que se assistia.
Assim sendo, à semelhança do que acontece com muitas sociedades em desenvolvimento, a corrupção tornou-se uma prática comum. Na década de 1960, os condutores das ambulâncias pediam “uns trocos para o chá” antes de levarem os doentes para o hospital. Os bombeiros também exigiam uma taxa para apagarem os incêndios e até os funcionários das empresas de telecomunicações pediam aos consumidores um “bónus” para acelerar o processo de instalação dos telefones nos domicílios.
A corrupção entre as autoridades policiais começou a atingir proporções alarmantes. Em 1973, descobriu-se que o superintendente Peter Godber era detentor de valores pouco usuais e injustificáveis – 4,3 milhões de dólares de Hong Kong, muito dinheiro para os tempos de então. Godber ainda teve uma semana para apresentar uma justificação razoável acerca da origem da sua fortuna; em caso contrário, seria detido. O superintendente acabou por fugir para o Reino Unido e o desfecho da história enfureceu a população, fúria visível nas manifestações feitas a pedir a extradição do membro da polícia.
A administração britânica estava particularmente sensível à questão, até porque os violentos conflitos de 1967 estavam ainda bem vivos na memória colectiva. O Governador decidiu nomear uma comissão independente para analisar a situação. Este grupo de trabalho concluiu que a melhor solução passava pela criação de uma comissão independente, directamente sob a alçada do responsável político máximo do território.
A Comissão Independente Contra a Corrupção foi assim criada em Fevereiro de 1974, numa altura em que Murray MacLehose era o Governador, com três objectivos definidos: aplicação efectiva da lei, prevenção e educação. Já com a ICAC a funcionar, o superintendente Godber acabou por ser acusado e o seu caso passou a ser a bandeira contra a corrupção.
Ao contrário do que acontece em Macau, a Comissão foi desde logo autorizada a investigar entidades privadas.
A forma independente de funcionamento da ICAC demonstrou que a fórmula era bem-sucedida e fez com que Hong Kong se tivesse tornado um dos locais do mundo onde a corrupção tem menor peso: o mais recente relatório da Transparency International situa a RAEHK em 14º lugar num total de 179 países. Mas o percurso da ICAC não se fez só de louros – as dificuldades têm sido muitas, até porque tem acontecido os obstáculos virem do próprio Governo.
O primeiro conflito entre a Comissão e a Polícia ocorreu logo em Outubro de 1977, quando 260 agentes policiais de Hong Kong foram detidos, acusados de corrupção. Dois deles acabariam por se suicidar no início do ano passado, exactamente 30 anos depois do escândalo. Na altura, centenas de membros da Polícia protagonizaram uma manifestação à porta da casa do Governador. Dentro da própria ICAC, procedeu-se à reformulação dos inspectores.
Em 2002, um outro caso veio opor os dois órgãos de investigação criminal. Um agente da Polícia foi acusado de ter relações sexuais gratuitas com uma prostituta, a quem fornecia informações internas e confidenciais.
Nos últimos anos, tem havido uma forte discussão em torno das competências da Comissão, sendo que deu origem a nova legislação. Em Julho de 2004, inspectores da ICAC entraram de rompante nas redacções de seis grandes jornais da RAEHK - incluindo o South China Morning Post, o Apple Daily e o Oriental Daily - , à procura de provas acerca da identidade de uma testemunha envolvida na investigação da fraude que aconteceu na Semtech International. O episódio deu origem a protestos dos órgãos de comunicação social e ficou a sensação de que a liberdade de imprensa poderia estar a ser posta em causa.
A Comissão acabou por se encontrar com os representantes dos jornais visados, mas o Sing Tao Daily pediu ao Supremo Tribunal que se pronunciasse sobre a questão. Do ponto de vista técnico, o jornal ganhou a causa, mas a primeira instância – a quem a ICAC tinha recorrido – encontrou apenas erros processuais e deixou o recado: a Comissão tinha o direito de agir daquele modo, porque havia necessidade de equilibrar a liberdade de imprensa e o interesse público.
Os problemas surgiram de novo quando, em 2005, o advogado Cheng Huan colocou em causa as técnicas usadas pela ICAC na obtenção de provas num caso de subornos, verificado numa empresa cotada em bolsa. A Comissão tinha feito escutas telefónicas não autorizadas e o tribunal acabou por dar razão à pretensão do causídico, considerando nulo o meio de obtenção de prova.
Num outro caso de fraude, que envolveu Mo Yuk-ping, a ICAC usou o mesmo método para ficar a saber que a suspeita pediu a terceiros para não colaborarem com os investigadores, tendo sido por isso acusada de obstrução à justiça. Andrew Lam, advogado e antigo investigador da Comissão, acusou o organismo de ter montado uma ratoeira e criticou o “atentado à liberdade de comunicação”. “Não podemos abdicar do direito de comunicarmos livremente por haver uma suspeita de obstrução à justiça”, disse na ocasião.
Mo Yuk-ping acabou por ser considerada culpada, depois de 18 meses passados em prisão preventiva. Andrew Lam tinha estado envolvido no caso das buscas nos jornais em 2004 e acabou por ser acusado exactamente do mesmo crime imputado à sua cliente. Tido como um dos três grandes opositores aos métodos da ICAC, foi condenado e detido, um caso que gerou grandes preocupações entre a comunidade jurídica local.
O Governo acabou por decidir alterar a legislação relativa às escutas telefónicas e criou uma comissão especial para o efeito, que tem como comissário um juiz da última instância. De acordo com o primeiro relatório desta comissão, divulgado no final de 2007, a Polícia, a ICAC e o Departamento de Imigração fizeram 526 escutas telefónicas entre Agosto e Outubro do ano anterior.
As falhas não foram completamente colmatadas com a nova comissão. Um residente de Hong Kong teve o telefone sob escuta, por engano, durante sete dias. Os autores do erro foram obrigados a pedir desculpa ao residente que viu a sua vida privada auscultada pelas autoridades policiais.
Os pedidos de desculpa de pouco valem e existe a noção de que os erros podem voltar a acontecer mas, pelo menos, a população de Hong Kong tem acesso a um relatório anual que permite perceber o trabalho do organismo e como é feita a tal aplicação efectiva da lei, mesmo quando em nome desta outros direitos são alegadamente postos em causa.
Kahon Chan, em Hong Kong
com Isabel Castro

Casa de Portugal promove workshops de xilogravura e ciência da cor

Descobrir novos mundos com arte

“Quando fui à entrevista de emprego disse logo que às terças e quintas-feiras não estava disponível.” Rute Azevedo fala sem fixar ninguém nos olhos. De goiva na mão, raramente descola o olhar do desenho feito na sua placa de madeira. O trabalho exige concentração e perícia. Com o instrumento metálico é preciso retirar a madeira por baixo dos traços feitos a lápis. Nem muito, nem pouco. As curvas das nuvens da imagem do bonsai não são fáceis de dominar.
Mesmo assim, as aulas do artista plástico Joaquim Franco não se fazem em silêncio. A aprendizagem da arte é acompanhada de conversas cruzadas. Ora sobre a técnica, ora sobre o simples e normal quotidiano. São todas mulheres, oriundas de três gerações diferentes.
Mais do que descobrir uma nova arte, a turma do mestre Franco começa a conviver e a conhecer as suas capacidades. É a terceira sessão do workshop de xilogravura promovido pela Casa de Portugal em Macau (CPM), no albergue da Santa Casa da Misericórdia, no Bairro de S. Lázaro.
“Vocês estão todas em cima umas das outras, há mais espaço na bancada, podem espalhar-se mais”, aconselha o professor. As três alunas fazem ouvidos moucos. Sentadas lado a lado, uma não atrapalha a outra e assim é mais fácil trocar conselhos técnicos e continuar a conversa.
Paula Figueiredo ultima os pormenores do seu desenho. De lápis de carvão na mão, começa a passar a figura de um homem sentado de costas numa cadeira do papel vegetal para a madeira. “É o meu bisavô. Ele sentava-se sempre assim, ao fundo do corredor”, conta com o sotaque típico de quem nasceu no Alto Alentejo, mais concretamente na vila de Grândola.
Cada traço e curva do esboço da profissional de audiologia denunciam as influências alentejanas. “Vou fazer umas parreirinhas por cima da janela, o que acham?”, questiona. Joaquim Franco lança o aviso. “Não compliques. Vais ficar muito presa ao desenho”.
O objectivo do curso de iniciação na xilogravura é aprender a técnica. Para isso, o professor aconselhou a turma a não “se preocupar de mais com o desenho”. “A ideia é ganhar prática e o primeiro trabalho é para estragar”, sentencia.
A xilogravura é apontada como uma técnica de gravura de origem chinesa. A madeira é utilizada como matriz, possibilitando a reprodução da imagem gravada sobre papel ou outro tipo de suporte. O processo é muito parecido com o carimbo.
O “bonsai com nuvens” de Rute Azevedo já está todo recortado. A próxima etapa é ver o efeito que produz no papel. A trabalhadora-estudante de 21 anos despede-se durante alguns minutos da companhia das colegas de bancada para aprender a aplicar a tinta na placa de madeira com o rolo de borracha.
Com a ajuda do “senhor Franco”, como chama ao professor, a aluna cobre o desenho com tinta preta e carimba o papel. “Não ficou nada feio”, diz o artista plástico enquanto levanta o resultado para toda a turma contemplar.
A etapa seguinte é experimentar várias técnicas e materiais. Um trabalho que Fátima Beirão já está a desenvolver em fase avançada. Após imprimir três vezes as suas folhas de planta, a funcionária do Instituto Cultural enche de novos golpes a “chapa” preta da utilização repetida da tinta. Algo que se consegue usando diferentes instrumentos cortantes, com o auxílio ou não do martelo, arrancando mais ou menos madeira para conseguir diversos tipos de relevo.
“A primeira experiência foi de profundidade. Agora estou a estudar os aspectos de relevo que depois vão aparecer na impressão. Isto está a obrigar-me a pensar no desenho de uma forma mais profunda e torná-lo mais bidimensional”, explica Fátima Beirão. As explicações são, no fundo, conclusões que vão nascendo no momento. À medida que retira os pedacinhos de madeira, a aluna vai descobrindo os segredos da xilogravura. “Há espaço para a criatividade, mas também exige técnica”, conclui.
Mais afastada das restantes colegas, Fátima Beirão conta que é a primeira vez que participa num curso relacionado com arte. “Sou da área de música e as artes plásticas são um campo que gosto, mas nunca explorei”, frisa.
Para a aluna, o workshop promovido pela CPM é mais do que uma iniciação nas artes. É um exercício de auto-conhecimento, a vários níveis. Criativo, porque é uma oportunidade “de nos conhecermos melhor”, defende, debruçada no seu trabalho.
Rute e Paula também procuram desbravar novos mundos sem sair do ateliê. A técnica da xilogravura não é estranha para a jovem. No curso de artes que efectuou na escola secundária, aprendeu a trabalhar com linóleo. “São placas de borracha”, explica à colega Paula, “mas isto é mais interessante, a madeira é um material mais primitivo”.
Já a audiologista herdou uma veia artística do pai, que “pintava a aguarela”, e a vontade de chegar mais longe domina-a. “Gosto imenso de trabalhar com as mãos e quero conhecer-me mais”, sublinha.
No campo artístico, “este curso ajuda-nos a apreciar a arte dos outros artistas. Passamos a ver as coisas de uma maneira mais profunda e temos prazer ao reconhecer o que vemos”, explica por sua vez Fátima.
A xilogravura encurta também a distância face à cultura oriental. “Como as técnicas utilizadas têm origem no Japão e na China, conhecemos melhor o sítio onde vivemos. Depois, há a questão social. “É giro, porque aqui há três gerações diferentes. Todos podemos aprender uns com os outros”, diz com um sorriso, enquanto observa de longe as colegas.
De facto, Fátima e Paula são as mulheres adultas do grupo, Rute é a jovem e, encolhida na sua timidez de menina, Susana Couto representa a infância. “Gosto destas coisas de trabalhos manuais e inscrevi-me”, conta a formanda mais nova da turma.
A primeira sessão do workshop foi reservada a uma introdução teórica. No entanto, pouco ficou na memória da aluna de 11 anos. “Qual é a técnica? Não sei bem”, diz procurando ajuda na companheira do lado. “É um bocadinho japonesa não é? É uma técnica oriental”, conclui.
Susana está mais concentrada na madeira. A terceira aula não está a correr de feição à estudante da Escola Portuguesa de Macau. As folhas da palmeira que desenhou são difíceis de contornar com o objecto cortante. Com uma cara de sofrimento, queixa-se de dores no dedo que faz mais força.
Facilmente, a menina deixa-se derrotar pela desmotivação. Levanta a placa para mostrar ao professor Franco. Mas o semblante muda automaticamente com o elogio do mestre. A preocupação de Susana tem um motivo especial. O trabalho é um presente atrasado do Dia do Pai e a pequena artista quer dar o seu melhor.
O trabalho e a conversa continuam. Joaquim Franco vai distribuindo apoio e conselhos técnicos. No albergue da Santa Casa da Misericórdia, onde a CPM ocupou recentemente quatro salas, a xilogravura vai ocupar o ateliê de artes plásticas até o dia 17. Entretanto, arranca um outro workshop também ministrado pelo mesmo professor. O tema é a “Ciência da Cor”. “Cada pessoa vai criar a sua paleta de cores, com os diferentes contrastes”, sublinha Joaquim Franco.
As quatro alunas vão encontrar-se novamente no segundo curso de artes. E já têm lugar marcado na banca de trabalhos se a CPM organizar um segundo nível de xilogravura. Apesar de a iniciativa ir ainda na terceira sessão, há quem já não viva sem o trabalho.
É o caso de Paula Figueira. “É uma óptima oportunidade para relaxar ao fim do dia. É essencialmente isso que procuro. Chego ao fim da rua e já me sinto mais calma.”
Fátima olha para o relógio e avisa o professor. “Já passa da hora.” O tempo corre dentro do ateliê da CPM. “Vamos começar a arrumar as coisas?”, pergunta Joaquim Franco. Paula, Rute e Susana não se movem. “Estão tão entretidas que não dão por nada”, confidencia o professor.

História de um autodidacta

O nome no bilhete de identidade é Joaquim Afonso da Costa Franco, mas em Macau todos o conhecem simplesmente por Franco. O artista plástico português chegou ao território há quase duas décadas. A história da sua estadia é semelhante a tantas outras de residentes da RAEM. “Vim por 10 meses e acabei por ficar 18 anos”, conta.
“No dia 18 de Março de 1990, cheguei para integrar a equipa do projecto de tratamento e recuperação das Ruínas de São Paulo, liderada pelo arquitecto Manuel Vicente”, lembra. Na altura, desempenhava a função de ilustrador científico no âmbito da arqueologia.
“Achei piada a Macau”, frisa. Entretanto “surgiu a gravura e a pintura”. Técnicas artísticas que já tinham sido experimentadas em Portugal. Concluiu que “finalmente tinha capacidade para montar um atelier” e acabou por estabelecer-se na região. O espaço de Franco nasceu em 1994 e fechou as portas há cinco anos.
No país natal, completou o curso de iniciação à pintura, na Sociedade Nacional de Belas Artes. Contudo, no seu currículo destaca-se a referência à “auto-aprendizagem contínua”. O artista português assume-se como auto-didacta. Algo que também transmite aos formandos dos seus workshops.
“Tem uma teoria bonita. Todos aprendemos uns com os outros. Ele não é o professor e vamos experimentar juntos”, frisa Fátima Beirão, aluna do workshop de xilogravura que está actualmente a decorrer na Casa de Portugal em Macau.
A ilustração científica no âmbito da Arqueologia, Etnografia e Defesa do Património que o trouxe ao território é um conhecimento que resultou de um estudo individual. O mesmo aconteceu com a gravura e a pintura, no campo das artes plásticas.
Em Macau, Franco desempenhou a função de freelancer na antiga Academia de Artes Visuais e realizou vários trabalhos na área do teatro, design de interiores, arqueologia e artes plásticas. As andanças nos bastidores do teatro começaram em Portugal, onde foi cenógrafo e aderecista.
O artista possui ainda vários trabalhos publicados, destacando-se por exemplo as “Actas do Congresso Mundial de Arqueologia de Southampton”, no Reino Unido, em 1987. A estreia de Franco nas exposições foi em Portugal, com uma mostra individual de pintura no Museu da Santa Casa da Misericórdia da Ericeira. As obras viajaram também pela Europa e Ásia.
Alexandra Lages
Fotografia: António Falcão/ bloomland.net

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Moisés Silva Fernandes em entrevista, China suspende vistos de entradas múltiplas, Visita ao mausoléu do primeiro soberano

Estatuto especial do território preso pelo fio das relações luso-chinesas

Macau em continuidade

“Macau continua a encontrar em Portugal e nos países de língua portuguesa o grande factor que justifica o seu estatuto especial na China”. Quem o diz é Moisés Silva Fernandes, autor do livro “Confluência de interesses: Macau nas Relações Luso-Chinesas Contemporâneas 1945-2005”. Para o académico, o estatuto especial que a RAEM tem dentro da China possivelmente cessaria, caso o papel que desempenha entre os países lusófonos e a República Popular da China (RPC) desaparecesse.
Moisés Silva Fernandes salientou que é ao servir de intermediário entre os países lusófonos e a RPC que o território compete com Hong Kong. “O território vizinho tem uma grande praça financeira mundial, ao contrário da RAEM, que não tem tanto peso a nível internacional como a ex-colónia britânica. É apenas um grande centro de jogo”. Por isso, e de acordo com o investigador, “a Administração chinesa de Macau coloca grande ênfase em tudo o que é português”. A RAEM quer “transmitir a ideia de que é parte da China mas que, ao mesmo tempo, tem um papel único”.
Segundo o académico, o território tem beneficiado de um papel “altamente relevante na política externa” chinesa, sendo que a RPC tem interesses económicos em países como Angola e o Brasil. Moisés Silva Fernandes explicou que “algumas das antigas colónias portuguesas são extremamente ricas e a China, atendendo ao seu rápido desenvolvimento económico, precisa de recursos naturais”. Neste ponto, o investigador lembrou que o maior fornecedor do mundo de petróleo à China é já Angola. O académico acrescentou que, no futuro, “talvez vejamos uma certa disputa entre a Austrália e a China” por causa do petróleo de Timor, uma vez que “para se chegar a Angola é preciso dar uma grande volta”.
Moisés Silva Fernandes não tem dúvidas de que a Administração de Macau vai continuar a apostar no património português. “Essa apetência vai continuar a existir enquanto as taxas de alto progresso económico da RPC estiverem em curso, pois a China tem de alimentar o seu crescimento, recorrendo a recursos energéticos”. No livro, pode ler-se que “o Governo da RAEM, constituído e dirigido pela elite comercial chinesa, (…) encara a continuação da presença cultural portuguesa, mesmo que mitigada, como uma forma de legitimação interna”. A protecção do património português é, para Moisés Silva Fernandes, um dos exemplos da vontade do Governo da RAEM em preservar a herança portuguesa. Mesmo a calçada portuguesa tem crescido em dimensão. “A RAEM tem talvez melhores calceteiros que Portugal”, disse. Macau é então “continuidade, e é isso que lhe permite sobreviver”. “Não pela força mas pela confluência de interesses”, como indica o título do livro. Para o académico, a influência que a Administração de Macau tem em Pequim também não deve ser negligenciada.
Sendo assim, Moisés Silva Fernandes pôde constatar que “há mais continuidade que rupturas” depois da transferência de administração, em 1999. De facto, com o livro, que exibe uma fotografia de Deng Xiaoping e do actual Presidente da República português, Cavaco Silva, na capa, o autor constatou que “99 não foi o fim” para as relações luso-chinesas.
“Ainda existe uma comunidade portuguesa e macaense no território e uma imprensa em português que continua em Macau”, afirmou o investigador, explicando que estas características projectam “a ideia de que há uma presença portuguesa ou lusófona, como o Governo de Macau gosta de acentuar”.
No entanto, Moisés Silva Fernandes aponta um problema para o futuro – “a forte presença dos grandes grupos americanos na área do jogo”. “Com a liberalização do jogo, a entrada de grupos americanos vindos de Las Vegas está a alterar a fisionomia do território e até a forma de conduta das pessoas”, explicou o investigador. Segundo o académico, “os casinos americanos são uma séria concorrência que está a trazer um novo estilo de vida para a comunidade chinesa”. “Vê-se hoje em Macau coisas de uma dimensão e volumetria que descaracterizam muito o território”, sublinhou. Embora reafirme que “o património será protegido”, acredita que a “pouco e pouco as comunidades lusófonas sentir-se-ão um bocadinho menos de Macau”. A liberalização do jogo e a crescente influência americana no território “alteram significativamente os equilíbrios entre as várias comunidades”. Quanto ao sector do jogo, Moisés Silva Fernandes alertou para o facto da dependência da economia da RAEM em relação a este sector ter aumentado com a sua liberalização.
Por outro lado, o académico analisou também o interesse de Portugal na RAEM. Para o investigador, “o investimento português em Macau tem sido feito sobretudo pelas estruturas do Estado português”. As relações entre Portugal e a China são actualmente “extremamente exíguas”, uma dura realidade que será difícil ultrapassar, “contribuindo para que os decisores políticos portugueses continuem a afirmar em público o empenho do país na presença histórico-cultural em Macau, a componente menos dispendiosa de qualquer programa de política externa”, sublinhou. Moisés Silva Fernandes acredita que o “Estado português tem feito bastante” neste sentido.
O académico considerou que as trocas comerciais entre Portugal e a China necessitam de ser mais firmes para que as suas instituições comunitárias no território também o sejam. “As trocas comerciais devem ser mais intensas tendo em conta que Portugal esteve durante tantos séculos em Macau”. Apesar disso, Moisés Silva Fernandes acredita que Macau não irá desvanecer do imaginário português. “A China será incontornável, assim como a Índia”. Curioso é que “por incrível que pareça, Portugal esteve nestes dois países durante séculos”, concluiu.

A história “mais desconhecida que havia”

Moisés Silva Fernandes não tem qualquer ligação familiar com o território, nem sequer com a China. No entanto, é sobre a RAEM que incide grande parte do seu trabalho, tendo já publicado as obras “Macau na Política Externa Chinesa, 1949-1979”, “Sinopse de Macau nas Relações Luso-Chinesas, 1945-1995” e, recentemente, “Confluência de interesses: Macau nas Relações Luso-Chinesas Contemporâneas, 1945-2005”.
O investigador tropeçou na história de Macau enquanto leccionava, como professor assistente na década de 1990, uma cadeira dedicada à Ásia numa universidade do Canadá, onde realizou a maior parte dos seus estudos.
Moisés Silva Fernandes ensinava não só alunos canadianos, mas também chineses, oriundos da China Continental, de Hong Kong, Taiwan e de Macau. Durante as aulas, o professor pôde constatar que os alunos de Macau viviam completamente desligados da Administração portuguesa do território. “Perguntei quem era o governador de Macau e não me souberam responder, só falavam do jogo”, contou. A partir daí, o professor começou a pesquisar sobre o território, símbolo da história do país que “se mantivera mais tempo na China – Portugal”.
De acordo com Moisés Silva Fernandes, Macau “era a coisa mais desconhecida que havia”, sendo praticamente relegado a uma nota de rodapé nas publicações de língua inglesa sobre a temática da China. Não obstante, a longevidade das relações luso-chinesas chamou-lhe a atenção.
Mais tarde, partiu para Portugal para pesquisar sobre Macau contemporâneo através da Fundação Oriente, acabando por ficar em Lisboa e concluir um doutoramento em Ciência Política numa universidade da capital portuguesa. Foi nessa altura que aprofundou o estudo das razões pelas quais Portugal permaneceu em Macau, mesmo durante períodos conturbados da história chinesa, como a Revolução Cultural. Segundo o investigador, a sua maior interrogação era como é que “um pequeno país como Portugal consegue permanecer tanto tempo na China”, principalmente, nos 50 anos em que Macau continuou território português depois da implantação da República Popular da China (RPC). O académico lembrou que, durante a Revolução Cultural, “as autoridades portuguesas perderam o poder e a RPC restituiu-o três vezes”. Na verdade, Moisés Silva Fernandes descobriu que o território se manteve administrativamente português devido à confluência de interesses de que fala no seu mais recente livro. O fenómeno decorre de inúmeras razões “económicas, financeiras, comerciais e políticas”.
No período entre 1949 e 1979, “passava por Macau tudo o que a RPC necessitava em termos de produtos”, pois a China “tinha pouco contacto com o exterior”. Além disso, “as balanças comerciais de Hong Kong e Macau eram altamente favoráveis à RPC, nomeadamente na aquisição de moeda que tinha aceitação internacional”. Por outro lado, “atendendo ao embargo comercial, a China não podia exportar para muitos países do Ocidente”, por isso, “enviava os produtos para Macau e passava tudo para o exterior como ‘made in Macau’”. Outro dos factores era que “através do território, a China conseguia colocar estrategicamente agentes secretos no exterior. A actual RAEM era o lugar ideal para fazer isso”. Mais, “a China enviava para Macau pessoas para aprenderem português e conviver com a comunidade que mais tarde se tornavam os instrutores político-militares dos movimentos de libertação em Angola”.
Em termos políticos, a grande vantagem de Hong Kong e Macau era o acesso ao exterior. Neste ponto, Macau era mais preponderante. “A presença britânica tinha um poder efectivo em Hong Kong, mas os portugueses eram mais maleáveis”, afirmou Moisés Silva Fernandes, referindo que “durante o período salazarista em Portugal, podiam-se comprar todas as obras do Partido Comunista chinês em língua portuguesa”.
Estes e outros aspectos da história da RAEM estão retratados no livro “Confluência de Interesses: Macau nas Relações Luso-Chinesas Contemporâneas 1945-2005”. Segundo o escritor, a obra engloba alguns estudos que nunca foram publicados ou que foram apenas editados em inglês ou na língua chinesa. Moisés Silva Fernandes acrescentou ainda que, neste livro, tentou analisar os “marcos importantes da vida política de Macau e das relações entre Portugal e a China”.
Para o futuro, o investigador prevê mais estudos e publicações sobre a actual RAEM e o seu papel no mundo chinês, mas por enquanto concentra-se na conclusão da sua próxima obra que abordará a história de Timor-Leste no período 1960 – 1975. O livro “terá dados novos que as pessoas nem imaginam, como as negociações secretas que tiveram lugar para que Timor fosse parar às mãos da Indonésia, onze anos antes do 25 de Abril”, adiantou.
Laura Bastos, em Lisboa

China suspende vistos de entradas múltiplas

Pequim deixou de emitir vistos de entradas múltiplas, o que vai trazer grandes inconvenientes para as pessoas que viajam com regularidade para a China Continental, noticiou ontem o Sunday Morning Post (SMP). De acordo com o jornal em língua inglesa, que cita agências de viagens de Hong Kong, a medida vai estar em vigor até ao final dos Jogos Olímpicos.
Os turistas estão agora condicionados aos vistos com uma ou duas entradas, válidas durante trinta dias. Quem tem visto de entradas múltiplas não tem razão para se preocupar, uma vez que a China decidiu abrir uma excepção para os portadores do documento, não cancelando a sua validade.
O SMP citava ontem o director executivo da Câmara do Comércio Canadiano, Andrew Work, que encontra nesta decisão do Governo Central sérios inconvenientes para os estrangeiros que vivem e trabalham em Hong Kong. “Isto é muito chato para os pequenos e médios empresários estrangeiros. Provocará uma desaceleração do ritmo dos negócios, pelo que esperamos que o normal acesso ao Continente seja retomado em breve”, disse.
Um agente de viagens que preferiu não ser identificado contou ao jornal que “as pessoas têm pedido para renovar os seus vistos de entradas múltiplas, mas não conseguem mais do que um com duas entradas”. “Foi-nos dito que esta medida tem a ver com os Jogos Olímpicos e que em Setembro deixará de ser válida, depois de terminados os Jogos.”
Um outro agente, Daryl Bending, explicou que nem mesmo os residentes permanentes de Hong Kong a quem foram atribuídos, no passado, vistos com duração de três anos escapam a esta imposição de Pequim. Findo o prazo do documento, “não conseguem mais do que uma entrada dupla”. Em Macau, apurou o Tai Chung Pou, passa-se exactamente a mesma situação. O visto com duração de um ano que normalmente era atribuído aos residentes está a ser substituído por um que permite apenas dois acessos ao país, no espaço de três meses.
Ainda segundo o Sunday Morning Post, as agências de viagens foram informadas da alteração no passado dia 27 de Março. A Forever Bright, uma agência através da qual é possível pedir vistos para a China, indica no seu site que a suspensão das múltiplas entradas é válida até 17 de Outubro.
Os vistos de entrada única ou dupla são também agora mais caros. A maioria dos europeus, bem como australianos e canadianos, terão que pagar 500 dólares de Hong Kong para um visto de uma só entrada e 600 para um documento que lhes permite entrar duas vezes no país. Para estes residentes, contextualiza o SMP, um visto de entradas múltiplas válido por meio ano implicava, até agora, uma despesa de 450 dólares de Hong Kong.
Contactado pelo matutino, o comissário da representação diplomática da China na antiga colónia britânica não fez qualquer comentário sobre a questão.

Os falsos problemas

Dar um carácter político aos problemas decorrentes da competição na área dos negócios e transformá-los em questões ideológicas em nada beneficia o desenvolvimento de Macau enquanto cidade internacional. A afirmação foi feita este fim-de-semana pela articulista mais influente do jornal Va Kio, Ng Chan, a propósito do que foi dito, na passada semana, sobre a influência dos investidores estrangeiros no território.
Ng Chan começa por contextualizar a questão, explicando que, no debate realizado sobre a Lei Básica da RAEM, um académico do Continente (que não identifica) apontou uma “preocupação a longo prazo” do Governo de Macau. “Se as empresas estrangeiras dominarem totalmente a indústria do jogo, que é o cerne da vida económica da cidade, a administração da RAEM estará sob uma forte ameaça”, citou a articulista. “A influência política das empresas estrangeiras deve ser limitada”, disse ainda o mesmo académico, que sugeriu alterações à Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa (AL), com vista a evitar “colisões entre os responsáveis pelo Governo e os interesses empresariais”. Uma das modificações propostas consiste na criação de lugares (em número limitado), no sufrágio indirecto, para os representantes da indústria do jogo. Para o académico citado (e contestado) por Ng Chan, esta seria uma forma de garantir assentos a “organizações tradicionais patrióticas” na AL.
A autora do artigo refere que as afirmações geraram alguns comentários refutando a validade do argumento. “As pessoas acham que este tipo de pensamento é problemático e acreditam que o académico não estará familiarizado com a situação de Macau.” Explica ainda que a questão do maior ou menor controlo das empresas estrangeiras (principalmente as dos Estados Unidos) não é nova nem para Macau, nem para a China. “São assuntos que se têm repetido ao longo dos últimos anos e, quanto mais neles se fala, mais sérios se tornam. São tão empolados que parece que vai haver uma transformação em Macau. Este tipo de comentário é comum em Pequim e na RAEM.” Quando se fala disto na capital chinesa, acrescenta, é porque o Governo Central está atento à estabilidade de Macau, mais a mais tendo em conta os problemas de Hong Kong e “certas intervenções de forças estrangeiras”. Já em Macau, estes comentários são originados pela competição que existe na área do jogo. “Os seus intervenientes elevam o assunto ao nível político. O objectivo é pressionar o Governo e obterem mais interesses e benefícios, por diferentes vias.”
Ng Chan conclui assim que não é nada benéfico conferir um carácter político a questões que se devem cingir aos negócios. “Deve-se ter em mente que Macau, enquanto cidade que quer ser internacional, tem que estar aberta e acolher bem a competição. Além disso, a entrada de capitais estrangeiros na RAEM permitiu o seu desenvolvimento e deu a Macau uma imagem mais positiva a nível internacional. Em vez da discriminação, devemos encarar positivamente a sua contribuição. Devemos considerar natural e razoável que as empresas estrangeiras também tenham os seus interesses. Se não, porque viriam para cá investir?”, lança, concluindo que “antes de nos preocuparmos com a sua intervenção na política, deveríamos saber tomar conta de nós”.
Qingming e Huang Di

Visita ao mausoléu do primeiro soberano

Qingming, um dos 24 termos em que está dividido o ano no calendário solar do agricultor, é um dos dois termos que é celebrado com uma grande festa.
No dia de Qingming, o espírito da terra, contendo a alma terrestre dos que já passaram esta vida, é reflectido pelas pessoas e por isso, parte deste dia é passado nos cemitérios para, em convívio, as famílias se encontrarem mais perto dos seus antepassados.
As pessoas costumam colocar um ramo de uma espécie de chorão nas portas de entrada das casas. Costume que vem da visita do duque Wen, do reino Jin, quando, passado um ano voltou ao monte Jie para honrar o fiel oficial dos tempos do seu exílio. A árvore queimada, onde encostados tinham morrido Jie Zitui e a sua mãe, tinha renascido. Fora num buraco desse tronco, protegido do fogo pelas costas de ambos, que tinha sido encontrado um ano antes o último ensinamento do ex-oficial para o duque. A mensagem, em poema, escrita com sangue num pedaço da manga da túnica, dizia: “Cortei e dei-te a comer da minha carne para te mostrar o meu coração e espero que o possas sentir. Prefiro ter passado desta vida a ter-te encontrado, já que penso ser isso melhor para ti, do que eu te acompanhar. Se realmente me levares no teu coração, quando te lembrares de mim, pensas por ti mesmo. Sinto-me orgulhoso do que fiz, mesmo neste outro mundo, já que agi correctamente contigo. Espero que trabalhes arduamente em favor do teu povo e te tornes puro e brilhante para sempre.” Então, o duque Wen, pegando num ramo desse chorão, entrelaçando-o fez uma coroa e colocou-a na cabeça.
Tornou-se também costume o povo chinês, assim como os seus governantes, irem ao mausoléu do primeiro soberano da história da China para lhe prestarem homenagem. De ano para ano tem vindo a ganhar maior peso esta visita a Huangdi, o primeiro dos cinco soberanos, que vêm a seguir aos três ancestrais.
Conhecido como o imperador Amarelo, Huang Di (Huang Ti) terá vivido entre 2704 e 2595 a.C. e nasceu no monte Xuanyuan, onde hoje é o concelho de Xinzheng, na província de Henan. Tinha o apelido de Ji, que era o nome da sua tribo, também chamada Xuanyuan. Nos Registos Históricos escritos por Sima Qian (145-95 a.C.) afirma que o grupo de estrelas Xuan Yuan, que formam uma figura de tartaruga, controla os tronos e as chuvas. Também se refere a Huang Di como tendo um corpo de dragão amarelo.
Huang Di foi chefe da tribo Ji que vivia nómada onde hoje é o concelho de Zhuoxian, na província de Hebei. Antes dele, a tribo chamava-se Tian Yuan e era matriarcal. Em Banquan, hoje a sudeste do concelho de Zhuolu, na província de Hebei, os Ji derrotam os Jiang e as duas tribos fazem uma aliança e por isso, Zhoulu passou a ser a cidade do imperador Huangdi.
Consta que Huang Di teve mais de cem filhos e, com uma grande experiência, fez inúmeras invenções usadas ainda na vida quotidiana como a construção de casas, carroças e barcos, tal como a confecção de roupas. Uma das suas esposas, Leizu, foi a primeira pessoa a desemaranhar um casulo do bicho da seda, em 2640 a.C., e do fio tecer um vestido.
No monte Jing, hoje no concelho de Lingbao, em Henan, o imperador Amarelo deixou a vida terrena e foi levado por um dragão divino.
Enterraram-no em Qiaoshan, conhecida como “Montanha da Ponte”, mas o seu túmulo foi encontrado também noutras províncias como Gansu, Hebei e Henan.
Nos Anais da “Primavera e Outono” encontra-se um diagrama onde Huang Di ou Imperador Amarelo é considerado um Deus e encontra-se na posição do Meio, tendo a virtude da Terra. Na Tabela dos Cinco Elementos e suas correspondências está associado ao número 5, ao planeta Saturno, ao Ser Humano e ao coração, tecidos e boca.
Na província de Shaanxi, partindo de Xian, na estrada que vai para Norte (a estrada recta da dinastia Qin), a meio caminho de Yan’an encontra-se Huangling. A Norte dessa cidade está a montanha da Ponte (Qiaoshan) onde se encontra o mausoléu de Huangdi mas, nesse dia é mesmo impossível fazer uma visita, tal é a quantidade de pessoas e o número de governantes que aí se deslocam para prestar homenagem ao construtor do Império.
Quando longe das sepulturas dos familiares, as pessoas optam por fazer um passeio pelo campo, ou ir até um parque, ou andarem pela montanha para assim se encontrarem mais próximas do espírito dos seus antepassados.
José Simões Morais,
Artista plástico, estudioso de Questões Civilizacionais
Fotografia: GCS

Universidade de Lisboa inaugura Instituto Confúcio

A Universidade de Lisboa alberga a partir de amanhã o Instituto Confúcio (IC). Nascido em Janeiro do ano passado, quando o reitor da Universidade de Lisboa (UL), António Sampaio da Nóvoa, se deslocou à China Continental integrado na delegação portuguesa encabeçada por José Sócrates, o Instituto Confúcio da UL pretende aprofundar os estudos sobre a cultura chinesa em Portugal, explicou ao Tai Chung Pou o director da instituição, Moisés Silva Fernandes.
De acordo com o académico, o IC nasceu da iniciativa do Governo chinês em apoiar as parcerias das universidades chinesas com instituições estrangeiras. A universidade geminada com a de Lisboa é a Universidade de Estudos Estrangeiros de Tianjin. Este não é o primeiro Instituto Confúcio em Portugal, uma vez que a instituição já se encontra representada na Universidade do Minho.
O director do IC da Universidade de Lisboa adiantou que um dos maiores atractivos da instituição serão os cursos de língua e cultura chinesas. No início, os cursos serão livres e vão abranger também a época de férias de Verão. Quando começar o próximo ano lectivo, o Instituto Confúcio será também responsável por outros cursos, desta vez de feição académica, assim como um curso de língua chinesa relacionado com a área comercial. Estes cursos vão ser creditados pelo ETCS, o que lhes atribui reconhecimento europeu.
O IC irá ainda prestar apoio ao Comité Olímpico de Portugal na preparação dos atletas portugueses para a participação nos Jogos Olímpicos de Pequim, nomeadamente no que respeita à língua e aos costumes chineses, acrescentou o director do instituto.
As palestras e as conferências vão igualmente fazer parte da agenda do Instituto, sendo que incidirão sobre a cultura chinesa, o confucionismo, as minorias étnicas na China, o desenvolvimento económico chinês e as relações chinesas e lusófonas, mostrando “às pessoas que Portugal já não é o actor principal” nesta matéria.
De facto, o IC tem como principais objectivos fomentar o intercâmbio entre Portugal e a China, a divulgação da cultura chinesa entre os portugueses, a promoção de bolsas com ligação à China e a colaboração com outras universidades em Lisboa. Neste ponto, Moisés Silva Fernandes sublinhou que “em Portugal, há uma pluralização de tudo o que tem a ver com Macau e com a China mas a sua dimensão é pequena”. “Não faz sentido estar tudo disperso, é preciso congregar um pouco as coisas”, afirmou o director, salientando a necessidade de “consolidar os estudos sobre a China e a Índia”, dois “gigantes” incontornáveis.
Laura Bastos

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Especialista em relações euro-asiáticas comenta questão do Tibete, A China a acontecer, Antepassados são homenageados amanhã

Especialista em relações euro-asiáticas comenta questão do Tibete

UE não vai apelar ao boicote dos Jogos Olímpicos

Sejam as alegadas violações dos direitos humanos no Tibete ou as eleições do Zimbabué, todas estas questões têm um impacto “global” e qualquer país tem direito a comentar. Mas a União Europeia (UE), enquanto organismo que congrega 27 Estados-membros, “não irá apelar ao boicote aos Jogos Olímpicos em Pequim”. Foram os comentários do director do Centro União Europeia-Rússia e conselheiro especial do Centro de Política Europeia, em Bruxelas, Fraser Cameron, às recentes declarações das autoridades do Continente que advertiam a Europa para uma não intromissão em assuntos internos.
Em Macau para discursar numa conferência que visa traçar um retrato da política da União Europeia em relação à Ásia, Fraser Cameron realçou, a propósito do Tibete, que “existem certos padrões de comportamento aos quais a comunidade internacional tem de estar atenta”. Além disso, explicou, “da perspectiva da UE, ninguém está a pôr em causa a soberania da China em relação ao Tibete”. Contudo, a questão que se coloca está, ao invés, directamente ligada ao modo como as “autoridades chinesas poderão estar a piorar a situação, recusando-se a falar com o Dalai Lama” ou não “fazendo um maior esforço no sentido de alcançar a autonomia para o Tibete”.
Palavras cautelosas do perito europeu que não deixou, contudo, de se referir à existência de uma nova geração de líderes políticos, como Ângela Merkel, na Alemanha, Sarkozy, em França, ou o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown. “Todos estão preparados para uma reunião com o Dalai Lama e até estão a considerar boicotar os Jogos Olímpicos, em consequência do que se passou no Tibete”, diz. Reconhecendo que a União Europeia está preocupada, Fraser Cameron não deixou de referir que “não está mais preocupada com o Tibete do que, por exemplo, com o Zimbabué ou o Mianmar”.
Quanto a uma eventual reunião de responsáveis da União Europeia com o líder espiritual do Tibete, Fraser Cameron afirmou que o Dalai Lama “foi convidado para discursar no Parlamento Europeu”. Além disso, já tendo o Dalai Lama anunciado que se deslocará à Europa no próximo mês, realçou Fraser Cameron, o primeiro-ministro britânico já declarou que irá encontrar-se com o líder separatista. Aliás, antecipadamente, Gordon Brown telefonou a Hu Jintao revelando que iria fazê-lo. Por isso, “os chineses não estão surpreendidos”. E, mais uma vez, enfatizou que não se trata de um assunto que está a “colocar centenas de pessoas nas ruas”. O interesse mediático deve-se, sobretudo, “à realização dos Jogos Olímpicos em Pequim”.
Quanto à abordagem em relação ao modo como alguns países asiáticos continuam a encarar casos como o do Tibete, Fraser Cameron considera que “está a mudar”. Por exemplo, nos recentes conflitos ocorridos no Myanmar a maioria dos países dizia que “não comentava” ou “não interferia”. Tal, contudo, está a mudar, como se pode ver pelos “comentários” quanto ao Tibete. Talvez por pressão internacional, revelou. Observando o “Tribunal Penal Internacional, já há um movimento em direcção a uma maior aceitação dos padrões internacionais e normas de conduta”. “A China também compreende isso”, concluiu.
Inquirido a propósito do embargo de venda de armas à China que permanece desde os incidentes ocorridos na Praça de Tiananmen, em 1989, Fraser Cameron afirmou que não acredita que tal mude num futuro próximo. “Há uns anos, devido a declarações de Schroeder e Chirac, os chineses pensaram que tal iria acontecer. Mas é necessário o acordo de todos os Estados. E os norte-americanos opuseram-se”, contou. Este é um dos pontos que “irrita a China”. É uma “questão política”, que está ligada apenas ao que a China estará disponível para dar em troca. Por exemplo, “libertará os prisioneiros de Tiananmen?”
Sendo a China um importante parceiro comercial da União Europeia, será que a posição manifestada pelos países europeus poderá perturbar as relações? Em teoria “sim”. Na prática, o que acontece é que “os chineses não misturam política com negócios” – continuam a “precisar do investimento europeu e conhecimento em vários campos”.
Mas nem só o Tibete preocupa a União Europeia. “Caxemira, a Coreia do Norte, o Afeganistão” são apenas alguns exemplos de violação dos direitos humanos na Ásia. Contudo, admite, “a situação no Sudeste Asiático tem vindo a melhorar nos últimos 15 anos”. Mas as preocupações quanto à implementação da democracia ou ao primado da lei continuam a fazer parte da agenda da União Europeia no que à Ásia diz respeito.
É a postura da UE “paternalista” em relação à China? Fraser Cameron afirma que talvez. “É necessário ter em conta que os padrões europeus não são os únicos que devem ser tidos em conta.” Por isso, há que encontrar algumas “áreas neutras de interesses comuns, onde podem trabalhar juntos”. Chegar a um ponto de vista pragmático, ao invés de “fazer um grande alarido sobre assuntos sagrados e indivíduos, o que é bom para as manchetes, mas raramente surte efeitos”

Uma avaliação das políticas europeias em relação à Ásia

Falta limar algumas arestas no que toca ao impacto das políticas europeias na Ásia. Fraser Cameron afirma que pontos como o Protocolo de Quioto ou a saúde pública” têm de ser trabalhados.
Quanto ao modo como a Ásia encara a União Europeia, em primeiro lugar vê o “euro e a sua força”. Em segundo lugar, a existência do Espaço Schengen, que simboliza a possibilidade de livre circulação sem necessidade de exibição de passaportes. Em terceiro lugar, tem noção da sua importância através da “comunidade empresarial e dos quadros legais”. Mas, afirma, é “difícil avaliar o impacto da UE, porque é um conceito também ele difícil, ou não se tratassem de 27 Estados-membros, todos com a sua própria identidade”.

O papel de Macau

Referindo-se ao papel de Macau enquanto plataforma de ligação entre o Oriente e o Ocidente, Fraser Cameron afirmou que tal se deve especialmente a Portugal.
Contente com a criação de um Centro da União Europeia em Macau, que “tem sido um sucesso em países como o Japão, Coreia, Austrália e Nova Zelândia”, o especialista afirma que se trata de um local para formar estudantes, “dar-lhes background sobre o funcionamento da União Europeia”, além de “proporcionar conferências, contactos”. Principalmente, é uma forma
de “ganhar consciência sobre a UE, em áreas que os afectam”, diz.
Luciana Leitão
Fotografia: Carmo Correia

Maria João Belchior, jornalista portuguesa em Pequim

A China a acontecer

Em Pequim chamam-lhe Mǎ lì Yǎ, transcrição fonética de Maria, sons a que já se habituou, mas no passaporte português está escrito Maria João Belchior. É jornalista.
A curiosidade empurrou-a para uma pós-graduação sobre China Moderna, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa, há cerca de seis anos. “Lembro-me de um professor da Universidade Católica, onde estudei, ter dito: ‘Não vá fazer isto apenas por curiosidade’. Mas pensei: É a curiosidade que me move em tudo!”, justifica.
De Lisboa até Pequim foi um passo com milhares de quilómetros. Em 2002, Maria João Belchior partiu para a China com uma bolsa de estudo numa mão, para aprender mais sobre língua e cultura chinesa, na Universidade de Línguas Estrangeiras de Pequim, cidade onde permaneceu desde então; e com um sonho na outra, ser jornalista correspondente para órgãos de comunicação social em Portugal.
Quando chegou ao continente asiático percebeu que apenas “conseguia dizer três ou quatro palavras em mandarim: Portugal, chá e olá”, apesar de ter iniciado o estudo da língua ainda em Portugal.
Os primeiros dias de contacto com a capital chinesa foram marcados por algumas surpresas e primeiras impressões. “No primeiro dia, estava a chover muito e achei tudo muito escuro e cheio de polícia”, recorda. “Na verdade, depois percebi que eram uniformes diferentes que pertenciam à segurança de Pequim, aos seguranças dos bancos, ao exército, e à própria polícia. Só que, na primeira semana, foi estranho ver tanto uniforme”, conta.
Apesar de ter tido um primeiro contacto com a Ásia, em 1994, quando visitou Macau e Hong Kong, foi em Pequim que encontrou uma China diferente, que ainda hoje a surpreende.
A escassos meses do início dos Jogos Olímpicos, Mǎ lì yǎ mostra uma visão particular da cidade que a acolheu. “Apesar da modernidade da cidade que se prepara para os Olímpicos, Pequim guarda para mim um sabor tradicional que não vejo tanto noutros sítios como Xangai, por exemplo”, cidade que visitou em 2002. “[Pequim] Vai crescendo, mas sobrevive aos tempos tal como é, nos cantos mais guardados das ruas antigas.” Essa magia conquistou-a e, por isso, optou por residir numa zona mais antiga, deixando para trás os arranha-céus da nova urbe em desenvolvimento.
Por vezes, sente algum cansaço e vontade de recomeçar noutro lugar, mas é um sentimento passageiro. Rapidamente, constata que ainda tem muito para aprender e para se surpreender no lugar onde vive, para não falar do sonho que trazia na bagagem. O sonho conseguiu concretizá-lo, após três anos de estadia na capital, e quer continuar a alimentá-lo. É agora jornalista correspondente registada pela SIC Notícias e pela rádio portuguesa TSF. Maria João já iniciou o processo para poder estar presente na cobertura dos Jogos Olímpicos, mas ainda não sabe se vai conseguir.
A certeza é a de que vai continuar por mais algum tempo na China, mas a dúvida surge quando questionada sobre o número de anos. “Não sei até quando, mas a minha estadia vai durar até depois de 2008, de certeza ”, responde. No entanto, continua a classificar-se como “turista a título provisório”, sentindo-se enquadrada na cidade “mesmo sabendo que sou diferente por chegar de outra cultura”, sublinha.
O país em geral, a cidade em particular, constituem um desafio estimulante, que está habituada a encarar e vencer no dia-a-dia, e dispara: “Se quisesse alguma coisa fácil ou igual a Portugal, não teria vindo para cá!”
Além da agenda informativa, seguida habitualmente pelas agências noticiosas, a jornalista portuguesa vai à procura das suas próprias histórias e é isso que lhe dá prazer. O trabalho é facilitado por ler, compreender e falar chinês. Reconhece, contudo, que ainda tem muito para aprender e continua “a ter sempre muito para estudar e entender, tanto ao nível oral, como ao nível escrito”, comprovando que a aprendizagem é constante.
Maria João elege, assim, a reportagem de rua como a sua forma de trabalhar preferida, ou seja, “andar de olhos bem abertos a reparar no que acontece, paralelamente à agenda política”, mas sem nunca esquecer o devido enquadramento. Já deu a conhecer histórias de chineses de etnia Uigur, quando visitou parte da rota da seda em Kahsgar, em Julho do ano passado. Assim como contou a história simples de uma simples imigrante chinesa, vinda da província de Sichuan, e a trabalhar num elevador por 800 yuan por mês. Histórias que só foi possível tornar públicas devido ao seu conhecimento da língua que considera um ponto a favor, não tendo que passar por intermediários, “apesar de não ser uma condição essencial para outras pessoas”, acrescenta.
Além da escrita, Maria João eterniza as histórias através da sua máquina fotográfica, reconhecendo que gosta de ir “olhando e fotografando os bocadinhos de mundo” pelos quais vai passando. Mas, apesar de andar de máquina fotográfica na mão, elege o cinema e a leitura como os seus grandes passatempos e revela um dos últimos livros que leu, dos muitos que lê em simultâneo: o volume IV do Diário do José Gomes Ferreira, escrito na primeira metade de 1968.
Sandra Gomes

Antepassados são homenageados amanhã

A festa Qingming

A festa do Puro Brilho ou Pura Claridade é uma das raras festividades chinesas e está ligada ao calendário solar. Por isso realiza-se no dia 4 ou 5 de Abril, consoante o ano é bissexto, ou tem 365 dias. É uma festa taoista e, nesse dia, faz-se a Grande Cerimónia aos que já passaram por esta vida, realizando as famílias uma visita ao cemitério onde procedem à limpeza e renovação das campas dos seus antepassados. Oferecem-lhes sacrifícios como queimando incenso e dinheiro dos mortos, e as famílias reunidas à volta da campa, o que permite um estreitar de laços, aí fazem uma refeição.
Ligada ao calendário do Agricultor, o seu quinto termo solar comemora o Qingming e acontece 105 ou 106 dias depois do 22º termo, Dongzhi, o Solstício de Inverno, quando se realiza o Festival da Preciosa Pureza.
A invenção de um sistema de termos solares foi sendo elaborado através dos tempos, a partir das observações feitas por astrónomos. Os termos estão directamente ligados à eclíptica e são indicadores das estações do ano e entre estes 24 termos estão os dois solstícios, os primeiros a ser estabelecidos e depois, os dois equinócios. Estes termos solares foram gradualmente reconhecidos por volta do século III a.C., quando Lu Shi Chun Qiu os compilou. Mas foi no livro Huai Nan Zi, uma colectânea de antigos contos de fadas escrito no ano 120 a.C., que todos os termos ficaram mencionados e assim ficou elaborado o calendário solar do Agricultor. As datas são fixas, sendo o início da Primavera a primeira grande festa, que marca o início de um novo ano agrícola e calha no dia 4 de Fevereiro, por vezes no dia 5, se houver ajustamentos no calendário. Qingming, que significa “limpo e brilhante”, é o quinto dos 24 termos solares. O Sol move-se 15º no zodíaco, começando os dias a ficar mais quentes e o céu mais brilhante e limpo.
O culto aos Antepassados vem de tempos imemoráveis, tendo Confúcio reiterado tal na sua filosofia. Os imperadores desde sempre fizeram cerimónias anuais para visitar e arranjar as campas dos seus antepassados, mas as datas escolhidas variavam.
Também no período da Primavera-Outono da dinastia Zhou do Leste celebrava-se a festa da Comida Fria.
A história começa em 655 a.C.. O duque Xian, influenciado pela sua segunda mulher Liji para que fosse o seu filho, o príncipe Xiqi, o sucessor na governação do reino Jin, ordenou que os três filhos da sua primeira esposa fossem mortos. O mais velho, Shensheng, sabendo disso, logo se suicidou e os dois irmãos mais novos fugiram. Um dia, Chong-er, o mais velho dos dois fugitivos, muito depauperado pela fome e já sem se conseguir mexer, levou a que um dos seus leais oficiais, Jie Zitui, cortasse partes de carne da sua coxa para o alimentar.
Após ter passado 19 anos no exílio, Chong-er, agora com 60 anos, torna-se o duque Wen e ascende ao trono do reino Jin em 636 a.C.. O exílio deu-lhe um grande conhecimento sobre o social da sua época e poucos anos depois estabelece a liga “leal ao rei Zhou”. No entanto, esqueceu-se do seu mais leal oficial e, por isso, Jie Zitui deixa a carreira e vai para uma montanha com a sua mãe. O duque Wen, reconhecendo a sua ingratidão, manda-o chamar, mas ele diz preferir o seu desterro e ficar só. Um oficial da corte sugere deitar fogo à montanha e assim ele seria obrigado a regressar. Tal se fez, mas após três dias e como não tivesse regressado, foram à sua procura. Encontraram-no com a sua mãe, mortos pelo fogo que consumiu toda a vegetação da montanha. Com remorsos, o duque Wen ordenou que se desse o nome de Jie ao monte e aí mandou erguer um templo em honra de Jie Zitui e da sua mãe. Para celebrar o dia da morte de Jie ordenou aos seus súbditos que nesse dia não acendessem o fogo e por isso ficou conhecido como o festival da Comida Fria.
Entre o século II a.C. até à dinastia Tang, no calendário popular chinês havia a festividade da Comida Fria, dias antes da comemoração do Qingming.
Na dinastia Tang, por decreto imperial, começou a celebrar-se no dia da Comida Fria, com a subida ao monte onde os cemitérios se encontram, e fazendo-se as limpezas às campas, passando esse dia durante a dinastia Ming a ser realizado no Qingming.
Por isso, não estranhe o leitor, ao passar amanhã junto ao cemitério chinês na Taipa, a quantidade de pessoas vestidas com roupa de cerimónia e carregando inúmeros embrulhos, pois dirigem-se para a campa dos seus antepassados para proceder à sua limpeza e arranjos. Aí vão passar boa parte do dia, tomando uma refeição de comida fria sobre a campa, já que é o dia de prestar homenagem aos mortos.
José Simões Morais,
artista plástico, estudioso de Questões Civilizacionais
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Académico de Pequim sobre interpretação da Lei Básica, Albergue de S. Lázaro acolhe trabalhos inéditos de Kwok Woon

Académico de Pequim discursa sobre interpretação da Lei Básica

Atenção às palavras, ao contexto e à história

A eleição por sufrágio directo e universal do Chefe do Executivo está prevista na Lei Básica da Região Administrativa Especial de Hong Kong. Está também estipulado que se trata da meta final de um processo “gradual” que deverá estar concluído “daqui a dezenas de anos”. Declarações proferidas pelo professor da Faculdade de Direito da Universidade de Pequim e delegado da Comissão de Lei Básica de Hong Kong do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional, Rao Geping, num seminário que teve lugar ontem no edifício da Administração Pública sobre a interpretação e aplicação do diploma fundamental nas duas regiões administrativas.
Realçando que qualquer interpretação tem de “respeitar o objecto e os princípios gerais, bem como os princípios legislativos de qualquer Lei Básica”, Rao Geping vincou que os princípios gerais do diploma fundamental passam por “assegurar a soberania, a união e integridade territorial da China”, tendo em conta o desenvolvimento da região. Sempre pensando nestas premissas, o académico de Pequim advertiu que “deve adoptar-se uma solução conforme ao desenvolvimento – a reforma política deve adaptar-se à sua própria realidade”.
Relembrando questões que já estiveram em discussão na região vizinha aquando da nomeação de Donald Tsang, Rao Geping afirmou que, se “a comissão eleitoral só tem cinco anos de mandato, o mandato do Chefe do Executivo não pode ser superior ao deste órgão”. Por isso, se o Chefe do Executivo – como sucedeu com Tung Chee-hwa -, por algum motivo, tiver de abandonar o cargo antes do fim legalmente previsto, o primeiro mandato do sucessor só terá a duração dos anos que ficaram por completar do precedente dirigente máximo. Conforme uma interpretação sistemática e histórica, explicou o académico.
São vários os métodos de interpretação utilizados nos diplomas no geral, não fugindo a Lei Básica à regra, passando pela “literal – o significado das palavras -, sistemática – o contexto -, e histórica – o background e a situação envolvente”. Como é que isto se aplica às Leis Básicas da RAEHK e da RAEM? Explicando que cabe à Assembleia Popular Nacional proceder à interpretação, se sentir necessidade disso, e que se a leitura for diferente da do tribunal de instância superior das duas regiões administrativas prevalece a sua, o académico afirmou que “Macau nunca teve problemas de interpretação”. Já de Hong Kong não se pode dizer o mesmo. Aliás, no que toca à região vizinha, Rao Geping afirma que tal se deve, principalmente porque, “funcionando com o sistema de Common Law, o território até estranha o facto de ser a República Popular da China a interpretar a sua Lei Básica”. Citando um exemplo, ocorrido em 1999, que, em traços gerais, visava apurar se os filhos dos residentes de Hong Kong teriam automaticamente direito a residência, Rao Geping afirma que a Assembleia Popular Nacional “reparou a sentença do TUI de Hong Kong por entender que não fez interpretação à raiz da legislação”.
Tendo em mente estes métodos de interpretação, Rao Geping afirmou que, por exemplo, no que toca à metodologia de escolha do Chefe do Executivo de Macau, há que ter cautela e atenção à expressão “se for necessário alterar”. Quer isso dizer que “poderá ser alterada [a metodologia] em 2009”? Rao Geping apenas alerta para o verbo “poderá”, que não significa o mesmo que “deverá”. Aliás, para ter lugar tal alteração, além da aprovação da Assembleia Popular Nacional há que passar pelo Chefe do Executivo para sua aprovação.
Inquirido por um elemento da audiência a propósito da previsão na Lei Básica da RAEHK da eleição por sufrágio universal do Chefe do Executivo, o mesmo não sucedendo na Lei Básica da RAEM, Rao Geping esclareceu que não se devem fazer comparações. E isto porque os diplomas fundamentais foram elaborados por duas comissões que se nortearam por diferentes perspectivas. No que toca às alterações propostas pelo Governo para as leis eleitorais, que apenas incidem em pormenores técnicos, o académico afirmou que não cabe a estes diplomas resolver a questão do sufrágio. A suceder alguma alteração neste campo, esta só pode ter lugar no âmbito da Lei Básica.
Ficam por conhecer mais pormenores e posições concretas do académico, principalmente no que toca ao universo de Macau, já que Rao Geping se recusou a falar com os jornalistas portugueses antes e depois do seminário.
Luciana Leitão
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

O Tai Chung Pou mentiu!

Afinal, o trânsito das duas regiões administrativas especiais não vai sofrer alterações em 2010. A “notícia” avançada ontem pelo Tai Chung Pou não era mais do que uma simples brincadeira do 1º de Abril, cumprindo-se assim a tradição do dia das mentiras.
Na edição de ontem, dávamos conta de que, devido à construção da ponte entre Hong Kong, Macau e Zhuhai, os condutores dos dois territórios teriam que passar a circular na faixa da direita. Para fundamentar a “notícia”, citámos Chan Tai Man, um alegado responsável de um gabinete de Hong Kong, que também não existe.
No entanto, nem tudo era falso na notícia do 1º de Abril. É verdade que o trânsito de cerca de um quarto dos países e territórios do mundo se faz pela esquerda, sendo igualmente válida a razão de tal hábito: ainda antes de aparecerem os veículos motorizados, a circulação a cavalo fazia-se pelo lado esquerdo dos caminhos. Como as viagens era perigosas e os cavaleiros frequentemente atacados durante o percurso, era mais fácil, andando à esquerda, desembainhar as espadas, uma vez que a maioria da população era destra.
Também é verdade que, até ao princípio do século passado, eram muitos os países onde se conduzia pela esquerda. Hoje em dia, esse hábito de circulação é mantido principalmente nas antigas colónias britânicas, como é o caso de Hong Kong. Existem, no entanto, excepções, sendo o Japão e Macau disso exemplo.
Não foi, no entanto, pela proximidade territorial que Macau tem regras idênticas às do território vizinho. Em Portugal, conduzia-se à esquerda, sendo que a alteração se processou apenas na década de 1920. A mudança aconteceu no mesmo dia para o todo o país e colónias ultramarinas, à excepção dos territórios que faziam fronteira com outros onde se conduzia à esquerda, caso da China. O país só alterou as regras de circulação para a actual condução na faixa da direita em 1946.

Albergue de S. Lázaro acolhe trabalhos inéditos de Kwok Woon

Um pintor cheio de cores

Pintor colorido. Artista solar, com uma personalidade contagiante. “Não era dado a melancolias e a tristezas.” Acreditava na vida e distribuía alegria. Tamanha era a vontade de comunicar com os outros que, mesmo sem conhecimentos da língua inglesa, conviveu e fez amigos com as comunidades portuguesa e estrangeiras de Macau. As palavras são do arquitecto Carlos Marreiros e descrevem Kwok Woon, um artista e uma pessoa memoráveis. Cinco anos após a sua morte, as obras do pintor podem ser novamente contempladas pelo público.
A exposição é da iniciativa da Casa de Portugal em Macau (CPM) e está patente na Galeria do Albergue da Santa Casa da Misericórdia, no Bairro de S. Lázaro. “Quando tive conhecimento da mostra fiquei, por um lado, feliz e, por outro, um bocado triste”, confessou Guilherme Ung Vai Meng, artista e director do Museu de Arte de Macau (MAM). Ao receber o convite para a inauguração da exposição, Ung Vai Meng foi confrontado com a dura realidade, a de que, embora vivo na sua memória, “Kwok Woon já não está entre nós”.
No entanto, “esta exposição é muito importante para recordar o artista e para as pessoas terem a oportunidade de apreciar o seu trabalho”, acrescentou Guilherme Ung Vai Meng. As memórias começam, então, a dominar o discurso. “Ainda me lembro, há 20 anos, quando fundámos juntos o Círculo dos Amigos da Cultura (CAC). Recordo-o com muitas saudades”, disse.
Em conjunto com os artistas do CAC, acrescentou Carlos Marreiros, Kwok Woon “conseguiu alterar o cenário das artes plásticas de meados dos anos 1980”, um movimento ainda dominado pelo conservadorismo, “sem qualquer vestígio de experimentalismo ou contemporaneidade”.
O pintor desempenhou, segundo o director do MAM, um papel muito importante. Não só pelo facto de ter sido um dos pioneiros da arte contemporânea de Macau, mas também ao nível da comunidade de Macau. “O seu contributo para a sociedade local foi essencial. Era um tipo de pessoa com uma mentalidade aberta. Tinha muita imaginação. Era um homem que via para além das coisas”, concluiu.
Era companheiro, além de amigo, das pessoas com quem convivia, apontou Carlos Marreiros, que privou com o artista desde 1983. “Era uma pessoa muito expansiva e comunicativa com todas as comunidades de Macau”, afirmou. “Não sabia falar inglês, mas fazia-se comunicar através da sua mulher Joana Ling, quer com os portugueses, quer com os restantes habitantes expatriados”, contou o arquitecto.
É também com o objectivo de “homenagear o homem que estava muito próximo da comunidade lusitana” que a CPM decidiu promover a exposição, explicou a presidente da organização local, Maria Amélia António. Um evento que marca o arranque das operações da instituição no novo espaço, localizado no Albergue da Santa Casa da Misericórdia, em S. Lázaro. “É uma maneira de tornarmos clara a intenção de fazer deste local um encontro de culturas. É um cultivo da simbiose, que é a identidade de Macau”, afirmou.
A exposição tem uma importância acrescida, porque estão patentes trabalhos de colecções particulares, sendo que metade nunca tinham sido expostos publicamente.
São desenhos feitos com a mão esquerda, durante “a fase mais avançada da doença, próximos da morte, em que ele já não trabalhava com a mão direita”, explicou aos jornalistas Nuno Calçada Bastos, designer e membro da direcção da CPM, na semana passada, durante a apresentação das iniciativas futuras da instituição de matriz lusófona.
A exposição inclui ainda um conjunto de poemas que data do mesmo momento da vida de Kwok Woon. “São textos simples, mas cheios de significado. Mostram um homem que tentou ultrapassar a doença. É uma mensagem de esperança”, acrescentou o mesmo responsável. Um dos trabalhos foi feito dois dias antes do falecimento do artista.
Apaixonado pela arte, foi à custa desta dedicação que acabou por adoecer. Kwok Woon sucumbiu a um cancro. “Ficou intoxicado pelos materiais com que trabalhava, que lhe provocaram a doença”, frisou Nuno Calçada Bastos.
As restantes obras da exposição foram, em parte, cedidas pela viúva do artista, Joana Ling. Ao longo da galeria, é possível contemplar obras representativas de várias fases do percurso artístico do pintor. “Das colagens àquilo a que ele chama de ‘industrial junk’, o uso de materiais de madeira e metal”, descreveu o designer.
Carlos Marreiros distingue três fases da vida artística de Kwok Woon. Numa base de telas de proporção média e grande, o pintor iniciou-se no abstraccionismo lírico. “Era um artista de cores rosas e variantes de verde. Era um pintor muito colorido, amava a pintura”, descreveu.
A segunda fase foi marcada pela reabilitação de “materiais que a sociedade de consumo deitava fora e que eram susceptíveis de ser lidos de outra forma”. Através da reconstrução de um discurso plástico, o pintor dava um novo “assemblage, cor e textura aos objectos deitados ao lixo”.
A doença encaminhou o artista para uma terceira fase. Foi recorrendo ao desenho, aguarela e pincel, produzindo desenhos e até reflexões poéticas sobre a vida. Kwok Woon era um amante da vida. Nunca o deixou de ser, nem no seu período mais negro, na doença.
“Era um artista solar, muito bem disposto. Acreditava na vida. Não era dado a melancolias e tristezas”, destacou Carlos Marreiros. Recordando o porte atlético do amigo, o arquitecto referiu ainda a sua participação no Grande Prémio de Macau e as horas que passava no mar, embalado pelo seu “barquito”.
Se havia coisas que Kwok Woon apreciava na vida além da pintura era o mar, as mulheres e as flores. Foi por este motivo que, ontem, antes da estreia da mostra, a especialista em flores Cindy Chao apresentou um arranjo. Uma obra que, segundo a presidente da CPM, foi concebida com base neste conjunto de elementos.
A Galeria do Albergue da Santa Casa da Misericórdia acolhe as obras do pintor Kwok Woon até ao dia 20 deste mês. O espaço fica na Calçada da Igreja de S. Lázaro, onde também se localizam as novas instalações da CPM. A iniciativa contou ainda com a colaboração da Bambu, Sociedade de Artes.

De Cantão para Macau, via Singapura

Kwok Woon nasceu em 1942, tendo falecido em 2003, com apenas 61 anos, vítima de um cancro. Cantão era a sua cidade natal. Foi lá que cresceu e que frequentou a Academia de Belas-Artes.
Em 1962, fixou residência em Hong Kong e passou a viver exclusivamente das suas pinturas. Tornou-se oficialmente pintor de profissão. Desde então, passou a ser membro do Clube de Artistas de Hong Kong e da Associação da Academia de Artes da antiga colónia britânica.
No entanto, “em rigor foi um artista de Macau e de Singapura”, frisou o arquitecto Carlos Marreiros, porque foi dividindo o seu tempo entre o território e a cidade-Estado, manteve duas casas. Em Hong Kong, menos. A região vizinha “não o marcou”, defendeu. Em Macau, criou também um atelier denominado Centro Internacional de Artes Visuais, em parceria com a pintora Joana Ling, a companheira de vida de Kwok.
Kwok foi um dos fundadores do Círculo dos Amigos da Cultura (CAC). Através do CAC, desempenhou um papel muito importante na filiação de Macau à Federação Internacional dos Artistas da Ásia. Uma organização não-governamental que reúne 15 países e territórios da zona Ásia-Pacífico.
No seu currículo, salta à vista uma vasta participação em exposições individuais e colectivas a nível local e internacional. Contudo, o início da carreira de pintor não foi fácil. “Foi extremamente difícil”, contou Carlos Marreiros. “Nos primórdios dos anos 1980, as artes menos convencionais não tinham qualquer visibilidade. No entanto, Kwok Woon rapidamente foi reconhecido pela sua criatividade. Em especial, pela comunidade portuguesa, que apreciava e comprava muita da sua arte”, sublinhou.
O artista plástico conquistou o mercado do Sudeste Asiático, principalmente de Macau, Singapura e Hong Kong. Kwok Woon participou em exposições pela América, na Europa e na Ásia. Do conjunto, destacam-se as mostras “Artistas Contemporâneos de Macau”, em 1988, em Singapura e, em 1990, na Fundação Calouste Gulbenkian e na Casa de Serralves, no Porto.
No mesmo ano, as suas obras marcaram presença na quinta edição da “Exposição Internacional de Arte Asiática”, em Kuala Lumpur, na Malásia. Em 1988, o pintor foi distinguido com o Prémio de Arte Ocidental na “5ª Exposição de Artistas de Macau”.
Alexandra Lages
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

terça-feira, 1 de abril de 2008

Universidade de Macau recebe cada vez mais estudantes estrangeiros, Condutores de Macau e Hong Kong vão conduzir à direita

Universidade de Macau recebe cada vez mais estudantes estrangeiros

O peso que a cultura tem

Na Suécia, “é normal os estudantes irem estudar para o estrangeiro”. No entanto, nem todos “escolhem passar um semestre ou um ano na China”. É preciso ser-se aventureiro e ter alguma maturidade. Quem o defende é Ali Shakorian, aluno sueco da licenciatura de Comunicação Social, que veio para a RAEM fazer um semestre, num regime de intercâmbio, na Universidade de Macau (UM). O compatriota Robert Eklund escuta com atenção as palavras do colega, acenando um “sim” com a cabeça. Partilha da mesma opinião.
São mais de uma centena e meia os estudantes que todos os anos passam um período definido de tempo em Macau. É uma tradição que existe, na UM, desde 1991, revelando uma franca tendência de crescimento. Entre o número total de estudantes de intercâmbio, destacam-se os provenientes dos países ocidentais. A Europa, em primeiro lugar, e as duas Américas, em segundo, são as principais origens destes universitários, representando mais de metade do total.
Apesar de ser um ponto imperceptível a olho nu no mapa asiático, Macau capta o interesse dos estudantes que moram a milhares de quilómetros de distância, do outro lado do planeta. O que leva os jovens ocidentais a escolherem a RAEM como destino do programa de intercâmbio universitário? Serão as aspirações profissionais que falam mais alto? Ou Macau é apenas uma escolha ao acaso? Representará a UM tão só e apenas uma aventura numa cultura diferente?
“A RAEM é um local onde os estrangeiros mais facilmente se adaptam, porque os programas curriculares são todos em inglês. A par disso, sendo a China o país com o crescimento mais rápido do mundo, as áreas da Gestão e Economia da UM são atractivas, porque facilitam o estabelecimento de contactos e conhecimentos importantes para o futuro.” A opinião é do vice-reitor do estabelecimento de ensino, Rui Martins. Uma perspectiva que não é totalmente partilhada pelos estudantes. Para alguns, ainda é cedo para pensar em aspirações profissionais; para outros, Macau representa mais do que uma experiência meramente académica.
Quando chegou a hora de escolher uma universidade de acolhimento, Ali Shakorian e Robert Eklund tinham uma única certeza. “O destino do intercâmbio tinha que ser na Ásia”, contam. Japão, Coreia do Sul ou China eram os países que formavam a lista de Ali Shakorian, estudante da Universidade de Vaxjo. A China foi a decisão final do jovem de 24 anos.
“Cultura” é a palavra-chave para perceber as motivações dos estudantes da Europa do Norte. “É um país mais interessante no contexto asiático. Além disso, neste momento é o centro das atenções da comunicação social, por causa dos Jogos Olímpicos”, frisa. Macau surgiu mais tarde. Novamente, por intermédio de um amigo que já conhecia o território e a UM. “Pesquisei na Internet e achei que era uma cidade interessante, com muita história. Queria ver como era”, concluiu.
O peso do nível de ensino da instituição local e as eventuais vantagens profissionais que podem surgir após um período de estudos numa universidade situada em território chinês foram equacionadas durante a decisão? Os jovens olham um para o outro. É preciso tempo para pensar na resposta. “Não, foi mesmo pela cultura diferente”, concluem.
Já nos casos da francesa Marine Parouilleaux e do norte-americano John Steven Shofran, as motivações estão mais equilibradas. A jovem do primeiro ano da licenciatura de Relações Comerciais Internacionais de um instituto universitário de Rouen tinha vontade de conhecer uma cultura diferente e de ganhar alguns pontos para, no futuro, vencer a competitividade do mercado de trabalho na sua área. A solução encontrada foi estabelecer-se durante um ano na Ásia. “Macau está perto de Hong Kong (uma das capitais financeiras do mundo) e tem um protocolo com a minha universidade”, explica.
A situação de John Steven Shofran, estudante de Contabilidade na Universidade de Sesquahanna, nos Estados Unidos, é semelhante à da colega francesa. “Queria conhecer a cultura asiática e, ao mesmo tempo, melhorar os meus conhecimentos na área do negócio [num país com uma economia emergente como a China]. Por outro lado, as entidades empregadoras irão com certeza tomar em atenção o facto de eu ter estado a estudar na China”, acredita.
Que, no futuro, a estadia em Macau irá dar os seus frutos, a dupla sueca não tem dúvidas. Mesmo assim, a influência de um semestre na UM no currículo académico não é assim tão relevante, dizem.
“Em comparação com alguém que fez um período de estudos em França, por exemplo, acho que tenho uma vantagem sobre essa pessoa. Aqui cada dia é um desafio. Estou inserido numa cultura totalmente diferente da minha, onde pouca gente fala inglês. Mas, também acaba por não ser muito relevante no futuro profissional. Na minha área, em Economia, não penso que Macau ou a UM tenham alguma influência”, sustenta Robert Eklund.
A RAEM pode ser um bónus para quem está de entrada no mercado de trabalho, “mas apenas por estar localizada em território chinês”, acrescenta. “Mais forte do que o nome da universidade ou o local é o facto de aparecer China no fim”, observa, por sua vez, Ali Shakorian.
A Faculdade de Gestão de Empresas foi, há 11 anos, a instituição pioneira na iniciativa de receber estudantes num regime de intercâmbio. Hoje, as faculdades de Ciências Sociais e Humanas e de Ciências e Tecnologia também recebem alunos ao abrigo deste género de programas, embora em menor escala.
De acordo com dados disponibilizados pelo Gabinete de Relações Públicas da UM, no primeiro semestre, o estabelecimento de ensino acolheu 73 jovens universitários estrangeiros. Já no segundo semestre, foram 53.
A média anual é de cerca de 150 jovens. Todavia, desde 1991, o número tem vindo a crescer, com várias universidades a juntarem-se ao programa ou a solicitar um aumento de vagas. Calcula-se que já tenham passado pela UM mais de dois mil estudantes estrangeiros.

Estudantes de Macau são “mais conservadores”, defende Rui Martins

Se, por um lado, a Universidade de Macau (UM) recebe cada vez mais estudantes estrangeiros ao abrigo de programas de intercâmbio, por outro, os universitários da RAEM parecem pouco interessados em aventuras fora de portas. A análise é feita pelo vice-reitor do estabelecimento de ensino, Rui Martins.
Anualmente, a UM recebe cerca de 150 jovens estrangeiros nas suas instalações. A iniciativa funciona numa lógica de troca. A instituição de ensino superior local acolhe um grupo de estudantes que vem ocupar o lugar dos congéneres locais que, supostamente, também partem para o exterior.
No entanto, segundo Rui Martins, o programa de intercâmbio não é tão bem recebido pela comunidade discente local. É uma questão cultural, diz. “Não são tantos [os alunos locais que partem para outros países durante um semestre ou um ano]. Os nossos estudantes são mais conservadores e não aproveitam tanto as oportunidades”, aponta.
Estudos Ingleses, Estudos Portugueses e Chineses são as licenciaturas que têm mais alunos a partir para o estrangeiro. Em grande parte porque os próprios programas curriculares dão a oportunidade de completar um período de estudos fora de casa.
É o caso do curso em Língua e Cultura Portuguesas, que oferece aos estudantes a possibilidade de viajarem até Lisboa no terceiro ano. Há ainda as licenciaturas de Engenharia, que facultam estágios no exterior para os finalistas.
“Estas iniciativas são muito importantes, porque possibilitam aos alunos terem conhecimento da realidade das outras instituições europeias, bem como de desfrutarem de um intercâmbio cultural”, defende Rui Martins.
Alexandra Lages
Fotografia: Carmo Correia

Condutores de Macau e Hong Kong vão conduzir à direita

Tudo ao contrário em 2010

O trânsito das duas regiões administrativas especiais vai sofrer alterações em 2010. Devido à construção da ponte entre Hong Kong, Macau e Zhuhai, os condutores dos dois territórios vão ter que passar a circular na faixa da direita, ao contrário do que actualmente acontece.
A medida foi divulgada ontem por Chan Tai Man, um dos responsáveis do gabinete de Hong Kong que está a coordenar o projecto de construção da travessia, à margem de um colóquio sobre trânsito rodoviário que decorreu na antiga colónia britânica.
Segundo Chan, a imposição das novas regras de condução deverá acontecer em 2010, logo no primeiro trimestre do ano, mas as autoridades chinesas ainda não definiram uma data concreta. A razão da modificação fulcral prende-se com o facto de, na China Continental, os veículos circularem pela faixa direita.
“Com a harmonização do trânsito pretende-se evitar problemas nos acessos. Além disso, será uma forma de garantir a segurança na ponte. Uma vez que as duas regiões administrativas especiais e o Continente vão estar ligados, convém que os hábitos de condução sejam os mesmos”, defendeu o responsável.
Chan Tai Man admite, contudo, que esta medida poderá causar as reticências entre a população de Hong Kong, que está habituada a conduzir na faixa da esquerda. “Presumo que em Macau a mesma questão se coloque. No entanto, aqui será mais difícil o processo de adaptação, porque temos muitos mais habitantes. Mas trata-se de uma questão de hábito.”
A mudança de regras, que foi decidida recentemente pelas autoridades das duas regiões administrativas especiais em conjunto com a Administração Estatal do Trânsito da China, vai ter ainda repercussões ao nível das estruturas rodoviárias. “Vai ser preciso alterar muita sinalização e fazer novas marcações nas faixas de rodagem. O trabalho exige uma planificação ponderada, para que depois possa ser facilmente executado e se evitem acidentes devido à sinalização incorrecta das artérias”, comentou Chan, que explicou ainda não terem sido feitos cálculos em relação ao orçamento necessário para as obras de modificação.
Mal haja uma data precisa para a entrada em vigor desta medida que visa a uniformização da condução em todo o país, as autoridades de Hong Kong vão começar a fazer acções de sensibilização e de promoção das novas regras de trânsito. “Será preciso trabalhar rapidamente para que todos os condutores estejam informados”, admitiu o responsável da antiga colónia britânica.
O trânsito de cerca de um quarto dos países e territórios do mundo faz-se pela esquerda. A razão é simples e de ordem histórica: ainda antes de aparecerem os veículos motorizados, a circulação a cavalo fazia-se pelo lado esquerdo dos caminhos. Como as viagens era perigosas e os cavaleiros frequentemente atacados durante o percurso, era mais fácil, andando à esquerda, desembainhar as espadas, uma vez que a maioria da população era destra.
Até ao princípio do século passado, eram muitos os países onde se conduzia pela esquerda. Hoje em dia, esse hábito de circulação é mantido principalmente nas antigas colónias britânicas, como é o caso de Hong Kong. Existem, no entanto, excepções, sendo o Japão e Macau disso exemplo.
Não foi, no entanto, pela proximidade territorial que Macau tem regras idênticas às do território vizinho. Em Portugal, conduzia-se à esquerda, sendo que a alteração se processou apenas na década de 1920. A mudança aconteceu no mesmo dia para o todo o país e colónias ultramarinas, à excepção dos territórios que faziam fronteira com outros onde se conduzia à esquerda, caso da China. O país só alterou as regras de circulação para a actual condução na faixa da direita em 1946.
O Tai Chung Pou tentou falar com as autoridades de Macau acerca da notícia avançada em Hong Kong, não tendo sido possível, em tempo útil, obter qualquer esclarecimento.
Kahon Chan, em Hong Kong
com Isabel Castro

Analista defende estratégia concertada para Macau e Hong Kong

“O Executivo de Hong Kong deveria entrar em contacto com as autoridades de Macau e estabelecer uma parceira que permitisse lançar uma operação de promoção em Taiwan, nas áreas de negócios, finanças e turismo, de modo a garantirem uma nova posição no contexto das relações entre os dois lados do Estreito.” Esta é a opinião de James Sung, um analista político de Hong Kong, docente da City University.
A definição de uma estratégia concertada é, para Sung, a melhor forma de contornar os mais que previsíveis prejuízos iniciais que as anunciadas ligações directas entre Taiwan e a China acarretarão. O académico entende que, no que à antiga colónia britânica diz respeito, as contas que têm vindo a ser feitas nas duas últimas semanas ficam bastante aquém do que a realidade irá mostrar.
A mudança da presidência de Taiwan e o regresso do Kuomitang ao poder irão ter um impacto efectivamente negativo, sustenta. Para dar a volta ao texto, é preciso agir, sendo conveniente que Hong Kong não meta mãos à obra sozinho, mas sim com Macau.
Tanto o Governo da RAEHK como o principal responsável pelo Partido Liberal, James Tien, explicaram, em declarações à imprensa, que cerca de 30 por cento dos taiwaneses em trânsito para a China permanecem alguns dias na região administrativa especial, com uma despesa média de cinco mil dólares de Hong Kong por viagem. Isto representa, por ano, quatro mil milhões de dólares.
James Sung entende que as autoridades de Hong Kong devem pôr já em marcha um plano para fazer frente à “dramática e inevitável” descida das receitas. Ouvindo os discursos que têm sido feitos, o analista chega à conclusão de que o Governo fez pouco trabalho de pesquisa sobre o impacto das ligações. “Mas ainda há esperança para Hong Kong e Macau”, ressalva, até porque os planos do recém-eleito Ma Ying-jeou não deixam as duas regiões administrativas especiais de fora. Tudo depende, conclui, da capacidade de cooperação que os territórios vizinhos tiverem.
Recorde-se que, no passado domingo, o primeiro-ministro chinês Wen Jiabao fez uma oferta de paz a Taiwan, afirmando que Pequim está disponível para discutir os transportes directos entre o Continente e a ilha, ao abrigo do princípio “uma só China”.
“Tendo em conta o consenso alcançado em 1992, podemos reavivar as discussões e as negociações. Podemos falar de qualquer assunto , incluindo a materialização das três ligações”, disse Wen Jiabao, em declarações aos jornalistas, à margem de um encontro sobre questões ambientais que manteve no Laos, onde se encontrava em visita oficial.
Alguns analistas acreditam que, depois de mais de meio século de hostilidade e da recente tensão criada com o referendo sobre a entrada de Taiwan nas Nações Unidas, a conflituosa relação com Pequim e Taipé poderá estar perto do fim, para se dar início a uma nova forma de relacionamento.
Segundo as agências internacionais de notícias, Wen desenhou um quadro que pode ir além das “três ligações”. “Podemos desenvolver a economia, os negócios e o intercâmbio cultural”, disse, acrescentando que Hong Kong, que tem beneficiado no papel de intermediário entre os dois lados do Estreito, não irá sofrer consequências negativas se esta aproximação se verificar.
“Não me parece que vá afectar Hong Kong. As trocas económicas através do Estreito irão permitir também o desenvolvimento económico de Hong Kong, bem como em toda a região ao longo do Estreito de Taiwan.”

Os 120 anos do Templo de Nuwa em Macau

A deusa que criou a Humanidade

Ao passear pela rua empedrada de S. Paulo, um dos poucos antigos edifícios que ainda restam, caiado de amarelo, chama a nossa atenção. Mas sem capacidade de saber o que os caracteres inscritos sobre a porta dizem, não suspeitamos ali estar um templo. Apenas em frente da porta, sobre uma tosca mesa, a imagem em porcelana branca da deusa Kun Iam e um pequeno incensório de pedra.
Alguns anos passaram e quando um dia por ali andamos, vendo as portas abertas, resolvemos entrar. Dentro, o espaço é exíguo, encontrando-se apenas um altar encostado a uma parede de madeira, o que por si só não revela estarmos no interior de um templo. O altar está repleto de um sem número de deuses representados em estátuas e, no meio delas encontra-se emoldurado um papel vermelho com caracteres dourados.
Sobre uma mesa, um fato de papel de cor azul ultramarino com dourados e prateados vai sendo confeccionado por um robusto vulto masculino.
Voltamos a entrar no edifício quando nos traduziram os caracteres e então ficamos a saber tratar-se de um templo em honra da divindade Nuwa (Nugua), a criadora da Humanidade e que separou o Céu da Terra.
O templo tem precisamente 120 anos já que, como se pode ler nos pequenos caracteres, gravados no lado direito da parte de fora da porta, ele foi feito no ano do Rato, décimo terceiro ano do reinado do imperador Guangxu da dinastia Qing, logo no ano de 1888. Encontra-se situado na rua das Estalagens, mas nos caracteres chineses a tradução é rua Molhos de Palha e toca lateralmente na rua de S. Paulo.
Foi mandado construir pelas mulheres da noite que na zona trabalhavam e por aí tinham a sua alcova, como nos conta o senhor Cham Kan Chok, que há 25 anos toma conta do templo. Apontando para os dois retratos na parede, refere-se ao casal que durante muitos anos tomou conta do templo. Depois, quando o marido passou para outra vida, a idosa senhora deixou de cuidar do templo e este esteve abandonado por uns tempos.
O senhor Cham, que morava nas redondezas, um dia sonhou que o templo tinha ruído. No dia seguinte, ao olhar pela janela, vê que nada tinha acontecido. Mesmo assim vai contando o seu sonho aos vizinhos, que resolvem vistoriar o templo. Este, no seu interior, estava muito degradado e, após subirem as escadas de madeira com grandes cautelas, pois encontravam-se muito carcomidas, ao chegarem ao primeiro andar, aí vêem a parede interior toda no chão, comida pela formiga branca. Foi então que os moradores da zona se reuniram e resolveram arranjar o templo de Nuwa. Pediram ao senhor Cham que ficasse à frente do templo e escreveram uma carta ao Leal Senado requerendo um subsídio para se realizarem obras no seu interior. Sem nunca obter resposta, o senhor Cham tomou por sua conta os arranjos do templo, ajudado pelo contributo dos seus filhos e outros moradores.
Como não há papéis e não pode provar que o lugar é dele, queixa-se de alguns vizinhos que usam o espaço do exíguo templo para guardar todo o tipo de lixo mas, sem as escrituras do edifício, nada pode fazer. O que mais lhe interessa agora é conseguir uma mesa de pedra para substituir a que, sem qualquer dignidade, à porta do templo se encontra e onde está a imagem de Kun Iam.
Já com a Administração chinesa volta o senhor Cham a pedir um subsídio para obras, mas a resposta diz que, como não existe uma associação, não lhes pode ser atribuída nenhuma verba.
Passamos por uma porta redonda que dá para as escadas de cimento e nos leva ao primeiro andar. Enquanto as subimos, fala-nos de um incêndio que ocorreu há 100 anos e danificou bastante o templo, ficando por isso com o tamanho mais reduzido.
Chegados a uma sala mais ampla, um grande altar recheado de deuses domina o espaço. As paredes estão repletas com imagens de deuses, assim como se encontram pelo chão também apinhado. O panteão da religião popular chinesa é muito grande e ali estão muitos dos seus deuses que, em conjunto com outras personagens, enchem outros pequenos altares. Das peças mais antigas, uma encontra-se ao lado do altar principal e é o retrato do imperador Guangxu e a outra, colocada na mesa de oferendas à frente ao altar, é o incensório que, gravado no cobre, tem o registo da data do templo. Também a folha vermelha, que representa Nuwa pelos caracteres e se encontra no altar da sala do rés-do-chão, provém do tempo do casal que, anterior a ele (senhor Cham), tomou conta do templo. Lamenta ainda a falta de dinheiro para obras e diz nada receber pelo trabalho que faz, confessando que a venda do incenso não chega para os gastos com o templo.
Apontando para a vitrina do altar mostra-nos as duas imagens de Nuwa aí existentes. A imagem da direita é uma escultura dourada de Nuwa, com os lábios pintados de vermelho e cabelo preto, sentada numa cadeira. A outra é feita de barro, onde Nuwa, com um corpete cor-de-rosa e vestido verde, se encontra representada suspensa no ar, numa atitude de esforço, a segurar uma pedra estranha devido à cor.
Há uma dezena de anos, um grupo de Hong Kong ofereceu uma pedra vinda do espaço, comprada na Austrália. Entregaram-na a um artista que com ela concebeu uma estátua à deusa Nuwa, representando-a a reparar o Céu após a calamidade provocada pela desarmonia entre dois deuses que, lutando entre si, procuravam ver qual deles era superior.
A história conta que o Céu tinha sido fendido após uma luta entre os deuses Gonggong e Zhurongo, para ver quem tinha mais força. O deus Gonggong, tendo saído derrotado, resolveu suicidar-se atirando-se contra uma das montanhas que sustentavam o Céu, danificando gravemente o pilar Noroeste.
Nuwa usou as quatro pernas de uma tartaruga que, para além de ser um animal espiritual, é símbolo da longevidade e oculta os segredos do Universo, e colocou-as em cada um dos pontos cardeais como apoio suplementar ao Céu. Tendo consolidado assim o Céu, dedicou-se Nuwa depois a tapar o buraco do firmamento, colocando uma massa aglutinadora misturada com seixos. E é uma dessas pedras que agora dentro da vitrina se encontra a ser transportada por Nuwa. Apesar desta deusa ser descrita como metade humana e do tronco para baixo com a forma de dragão, ambas as imagens de Nuwa aqui apresentadas têm pernas e pés.
Este ano, o templo dedicado a Nuwa completa dois ciclos de 60 anos de existência, como lembra o senhor Cham Kan Chok e por isso deveria merecer a atenção dos governantes já que, mais não fosse, encontra-se inserido no circuito do Património Mundial.
José Simões Morais
Artista plástico, estudioso de Questões Civilizacionais